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Notas sobre Aspectos Históricos e Econômicos do Cânhamo no Brasil
Por: Laura Santos e Sergio Vidal
Data: 17/03/2009


“O cânhamo deve ser semeado em terreno úmido, em linha ou a esmo, tendo-se o cuidado em não consentir que os rebentos fiquem em menos distância de 8 polegadas, um do outro...”
(Trecho do Jornal ‘A Província de São Paulo’ de 9 de agosto de 1876)

Resumo
O artigo apresenta algumas considerações a respeito do potencial econômico dos usos das partes não-psicoativas da planta Cannabis sativa, especialmente suas fibras conhecidas como Cânhamo. O trabalho também apresenta algumas informações encontradas durante a pesquisa “Do Cânhamo à Maconha: História e Documentação dos usos da Cannabis sativa no Brasil”, ainda em andamento, que revelam a existência de uma ampla rede de documentos sobre a implantação do cultivo do Cânhamo no Brasil, desde o século XVIII.

Abstract
Notes on History and Economy of Hemp in Brazil (XVIII to XIX)
The article presents some considerations about the economic potential of the Cannabis sativa fibers, called as Hemp. The text also presents some information found during the search From Hemp to maconha: History and Documentation of the uses of Cannabis sativa in Brazil, still in progress, revealing the existence of an extensive network of documents about Hemp cultivation in Brazil since eighteenth century.

INTRODUÇÃO

Cânhamo3 é o termo usado para designar a planta da maconha quando seu cultivo não é destinado à obtenção da resina psicoativa, mas principalmente dedicado à extração de suas fibras. Quando cultivada para obtenção das fibras, as plantas são semeadas próximas uma das outras, os machos não são eliminados para potencializar a produção de sementes e só são colhidas após o completo amadurecimento dos frutos. Quando cultivada para a produção de resina, as plantas são semeadas distantes umas das outras, e os machos são eliminados logo que se revelem, para evitar a polinização e aumentar a produção de flores e resina. Essas são apenas algumas das distinções nas técnicas de cultivo e preparo empregadas que fazem toda a diferença quando estamos falando de produtos à base de Cannabis sativa.
Apesar de atualmente existirem linhagens desenvolvidas especificamente para produzirem muita fibra e pouca resina, todas fazem parte da mesma espécie: Cannabis sativa. Essa planta, que é conhecida no Brasil pelo nome de maconha, não serve apenas para produzir a resina psicoativa usada de forma medicinal e recreativa. As partes não-psicoativas da planta, como as fibras e as sementes, servem de matéria-prima para inúmeros produtos que atualmente são explorados pelas indústrias têxteis, alimentícias, automotivas, de construção civil, entre outras. Além de altamente rentável, a indústria do Cânhamo se enquadra no atual paradigma da sustentabilidade, tornando-o um negócio bastante atraente. Tanto que, em 2005, cerca de 30 países em todo o mundo entre eles EUA, França, Rússia, Espanha, Suíça, Suécia, Itália,Canadá, Chile, cultivavam e comercializavam produtos à base de Cânhamo (YOUNG, 2005).
Esse trabalho traz uma primeira sistematização das informações encontradas ao longo da pesquisa “Do Cânhamo à Maconha”, que tem como objetivo central fazer um banco de dados que incluam documentos, bibliografias, imagens, filmes e outros elementos que de alguma forma ajudem à iluminar a compreensão sobre os aspectos históricos e sociais dos diversos usos da planta Cannabis sativa no Brasil. Esperamos que esses esforços de alguma forma sirvam para colaborar com as discussões a respeito dessa tão polêmica planta.

O CÂNHAMO NO BRASIL
O Cânhamo, considerado enquanto um produto natural com diferentes aplicações ao longo do tempo esteve, principalmente, entre o século XVIII e início do século XIX, inserido num contexto de crescente busca pelo conhecimento e exploração econômica das riquezas naturais no Brasil e foi considerado relevante e com potencial “utilidade” econômica. Inicialmente a metrópole portuguesa adotou a política de não divulgação a respeito dos produtos de suas colônias e não se incentivava a aclimatação de espécies e diversificados estudos sobre cultivos e potenciais econômicos da flora. Porém, sobretudo nas últimas décadas do século XVIII, iniciou-se um movimento de mudança de tal política e houve inúmeras ações de incentivo à aclimatação de espécies, trocas de informações sobre possíveis explorações econômicas e patrocínio de viagens que tinham como objetivo principal mapear as riquezas naturais do Brasil. E, entre as espécies que receberam atenção e foram objeto de variadas atividades e discussões no âmbito científico e econômico estava o Cânhamo.
Naquele momento, a natureza, e seus diversificados produtos, representaram possibilidades de ativar a economia e impulsionar o desenvolvimento da ciência (SANTOS, 2008). È importante salientar que a Europa vivia desde o final do século XVIII uma modificação no pensamento científico, e o movimento da Ilustração procurou dar à ciência o caráter de utilidade, com o aproveitamento dos elementos da natureza para a geração de ganhos econômicos, aliando-se essa idéia a ampliação do conhecimento científico e utilização da flora para fins medicinais (BELUZZO, 1994). Houve a atuação de importantes centros científicos da época, como a Academia de Ciências de Lisboa e o Museu d’Ajuda, ambos em Portugal, que buscaram substituir produtos importados por similares obtidos no Brasil, assim como descobrir novas fontes de riqueza no território brasileiro.
Nesse contexto, destacam-se as inúmeras tentativas de aclimatação de espécies exógenas que pudessem ter valor econômico. O decreto de 25 de Maio de 1810, por exemplo, empregou o Botânico Hanke como diretor de culturas de plantas exóticas nos Jardins e Quintas Reais e, também, o encarregou da descrição de plantas do Brasil. Ele deveria ser pago pela Real Fazenda e, ainda, obter um terreno onde escolhesse, para o estabelecimento de um Jardim Botânico, com escravos e instrumentos para cultivar (CÓDIGO BRASILIENSE..., DECRETO 25/05/1810). Outra decisão do governo concedeu favores aos que introduzissem e cultivassem especiarias da Índia, as denominadas plantas exóticas. Em consulta à Real Junta do Comércio, Agriculturas, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos, decidiu-se que pela promoção e cultura de vegetais úteis, seriam dados prêmios, medalhas honorificas, privilégios e vantagens, visando a possibilidade de intensificar o comércio e a indústria (código brasiliense..., alvarÁ 07/07/1810).
Jardins Botânicos foram criados como importantes centros impulsionadores do estudo, cultivo e coleta de espécies vegetais. A primeira iniciativa para formar um Jardim Botânico no Brasil foi do príncipe Maurício de Nassau, em Recife no século XVII, contudo, somente no final do século XVIII foram emitidas instruções portuguesas para criação dos primeiros Jardins Botânicos no Brasil. O primeiro efetivamente estabelecido foi o Jardim Botânico de Belém em 1796 e nele, foram introduzidas plantas da Guiana Francesa, incluindo o café. No Pará, em 04 de novembro de 1796 foi ordenada a criação de um Jardim Botânico, cuja instalação foi terminada em 1798. No final do século XVIII a instituição de Jardins Botânicos se tornou projeto oficial para abrigar espécies de plantas medicinais, além de outras de valor econômico, como as de utilidade para a construção naval, a exemplo do Cânhamo.
A maioria dos jardins botânicos fundados nesse período não vingou, e o único a prevalecer e crescer foi o do Rio de Janeiro. Sobre ele, sabe-se que em 1808, no terreno ocupado por uma fábrica de pólvora, ao lado da Lagoa Rodrigo de Freitas, foi estabelecido um jardim de aclimatação. A sua finalidade teria sido, além de introduzir novas espécies, a plantação de madeiras aproveitáveis na construção naval e o melhoramento das pastagens (SANTOS, 2008). Os Jardins Botânicos e, também, os Herbários podem ser vistos dessa forma, como instrumentos de intercâmbio de espécies. A botânica foi, assim, um dos principais ramos do conhecimento científico no período, uma vez que as plantas e a agricultura, sobretudo, foram bases da reforma portuguesa que pretendia restabelecer a economia, debilitada, sobretudo, pela queda na produção de metais preciosos (RAMINELLI, 2001). Ressalta-se, também, que a possibilidade de gerir informações a respeito das novas plantas e assim acompanhar as transferências com técnicas culturais provadas, aumentou consideravelmente, como também aumentou a capacidade de disseminar essas informações entre os fazendeiros.
O estímulo à agricultura, e ao cultivo de produtos “úteis”, foi uma preocupação constante dos governos, desde o Brasil Colônia e várias iniciativas foram fomentadas, visando o fortalecimento econômico. Verificamos que em Santa Catarina, antes desta ser Província, se exportava linho-Cânhamo. E, ainda em meados do século 19, os Presidentes da Província manifestaram preocupação com o declínio da agricultura e procuraram criar estímulos e leis de desenvolvimento da economia (PAULI, s/d). Em relação à Capitania do Espírito Santo, sabe-se que a população atingiu em 1780 cerca de 15.600 habitantes, e durante o governo do capitão-mor Inácio João Monjardim foi incentivada a cultura do linho e do cânhamo com distribuição de sementes aos agricultores. (LEAL, 1977).
Nossa pesquisa indica que o Cânhamo parece ter ocupado um importante lugar no período, entre os produtos considerados úteis economicamente. Verificamos até o momento, por exemplo, de 1784, uma carta do governador da Capitania do Pará, na qual relata a necessidade da permanência, por mais um mês, dos naturalistas que estavam na Capitania, para que eles pudessem investigar as causas de problemas presentes na cultura de sementes de linho-cânhamo e tomar as devidas providências para solucioná-los. Em 1790, identificamos a presença de instruções para lavradores que rumavam para o Rio Grande de São Pedro, a fim de cultivar o linho cânhamo, e ainda a descrição da cultura do linho cânhamo na ilha de Santa Catarina. Também em 1790, foi enviado ao capitão-mor Inácio João Monjardim, do Espírito Santo, um caixote de sementes de linho cânhamo para serem semeadas em terras da sua capitania.
Em, 1799, uma carta comunica o cumprimento da ordem de distribuição de plantações de linho cânhamo entre três agricultores, sendo interessantes as informações de que as sementes haviam sido plantadas em terra preparada com barro vermelho, areia e massapê, conforme instruções dadas aos agricultores, mas esses ainda não haviam obtido sucesso nas suas plantações, sendo alegado que isso se devia ao fato de o clima do Brasil ser muito quente e assim, impróprio para o cultivo de tal espécie, típica de climas mais frios. Também em 1799, através de uma carta a D. Rodrigo de Souza Coutinho, o Conde de Resende, José Luís de Castro, informou sobre a experiência do cultivo do linho cânhamo no Rio de Janeiro e sobre as tentativas realizadas através de sementes advindas do Rio Grande, distribuídas para várias pessoas interessadas, juntamente com as instruções para o plantio e a colheita. O documento enfatizou que apesar de algumas experiências não terem dado certo, o Conde estaria convencido acerca da possibilidade de sucesso de tal cultura, por considerar a qualidade do clima ali análogo aos de outros lugares onde se cultivava o cânhamo com sucesso, discorrendo ainda sobre a experiência exitosa no Horto Botânico do Rio de Janeiro, onde o linho teria crescido até “13 palmos” e onde até puderam recolher novas sementes.
A presença da cultura do Cânhamo parece ter permanecido forte também no século XIX. Sobre suas primeiras décadas evidenciamos a existência de uma grande circulação de informações a respeito das experiências de cultivo e dos resultados obtidos, sendo que o debate acerca da viabilidade econômica dos cultivos esteve presente. Em 1801, D. Rodrigo de Souza Coutinho descreveu como eram lucrativas as atividades de cultura de gênero e concedeu autorização para o plantio de linho cânhamo. Em 1809, foi informado que sementes de linho cânhamo vindas da Inglaterra foram distribuídas para diversas áreas, entre as quais: Rio Grande de São Pedro, Santa Catarina, Fazenda de Santa Cruz, chácara Real e Lagoa de Freitas, e também circularam informações oficiais sobre a plantação do linho de cânhamo na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. 10 anos depois, em 1819, o Ministério do Império recebia um requerimento solicitando que fossem liberadas na alfândega sem impostos, duas máquinas importadas da França, que seriam usadas na preparação do linho e do cânhamo em fazenda no Rio Grande do Sul.

A REAL FEITORIA DO LINHO CÂNHAMO
Outro importante empreendimento, envolvendo a cultura do Cânhamo no Brasil, foi a denominada Real feitoria do Linho-Cânhamo e alguns pesquisadores têm apresentado relevantes contribuições para seu estudo.
Sabe-se que a Feitoria do Linho Cânhamo foi fundada no ano de 1783 por ato do vice-rei Marquês de Lavradio. Naquele ano, a administração colonial instalou, com 72 cativos, a Real Feitoria de Linho-Cânhamo, no rincão do Canguçu, transferida em 1789 para as proximidades de Porto Alegre (MAESTRI, 2005). As ações da Coroa visavam incentivar o plantio da fibra ou linho-cânhamo, que era a matéria-prima necessária e importante para a fabricação de velas e de cordas para as embarcações. A estrutura da Real Feitoria era composta da casa-grande que era o centro das atividades e moradia do feitor ou outra autoridade da Feitoria. Nas senzalas moravam os escravos e ainda havia os galpões para animais e depósitos diversos.
Dessa forma, evidencia-se que o cultivo do linho cânhamo fez parte de um projeto econômico promovido pelo Estado português a partir da administração de Pombal. Para Eliege Alves o objetivo maior era substituir o linho de Riga, importado dos países bálticos, e também utilizar a agricultura como forma de fixar a população na região. Dessa forma, revela-se uma cultura que se revestiu, no período, de caráter de utilidade econômica. As fibras vegetais eram aproveitadas para confeccionar tecidos grosseiros utilizados nas sacarias e rouparias, além de matéria-prima para cordoaria e velas, necessárias na navegação, e quase toda quantidade colhida era enviada ao Arsenal da Marinha Portuguesa (FONSECA, 1994). É importante lembrar que, entre os séculos XVIII e XIX, a construção naval encontrava-se em crescimento, sendo o transporte marítimo indispensável para a exportação. O tráfico de escravos africanos para o Brasil e a pesca da baleia constituíam-se em atividades que exigiam uma forte demanda de embarcações. Desse modo, a produção do linho cânhamo foi considerada prioritária pela Coroa portuguesa (ALVES, 2005). E ao que tudo indica, a Real Feitoria teve uma razoável produção, sendo que, produziu em Canguçu, até sua transferência para São Leopoldo, em 1789, mais de 8 toneladas de linho (BENTO, s/d).
A Real Feitoria funcionou até 1824, quando foi extinta, e suas terras foram destinadas a abrigar imigrantes alemães recém-chegados ao Rio Grande do Sul. A casa onde funcionava a sede da Real Feitoria do Linho Cânhamo em São Leopoldo, permanece ainda no mesmo local, no Bairro que leva o nome de Feitoria, conhecida como Casa da Feitoria ou Casa do Imigrante. Não sabemos, ainda, detalhes de seu funcionamento, atividades e agentes sociais envolvidos nas décadas de funcionamento, assim como as reais causas de sua decadência. Para alguns pesquisadores, houve a falta de sementes adaptadas às condições de Canguçu e São Leopoldo (BENTO, s/d). Também sobre as causas do “fracasso” do empreendimento, Alexandre Fortes nos fornece algumas pistas, ao apresentar a trajetória das “Organizações Renner”, fundada por A. J. Renner, que no início do século XX, teve importante papel no desenvolvimento do uso do linho no Brasil. Segundo Fortes o produto havia sido abandonado no estado do Rio Grande do Sul, deste as tentativas fracassadas da Real Feitoria do Linho Cânhamo, no final do século XVIII. Ele informa que A. J. Renner atribuiu o fracasso da Feitoria à causas como: “utilização de semente não selecionada, falta de técnica e controle na cultura, principalmente por ocasião da colheita, falta de maquinário e de instalações acessórias que assegurassem o preparo adequado da palha bruta e o beneficiamento da fibra, preocupação primordial de obter o agricultor ‘quantidade’ em lugar de ‘qualidade’”. (PELLANDA, 1944 apud FORTES, 2001).

Para obter um melhor aproveitamento do produto, Renner teria então estabelecido convênio com o “Instituto Borges de Medeiros” da “Universidade Técnica do Rio Grande do Sul”, a partir do qual o geneticista José Grosmann selecionou espécies adequadas às finalidades de produção de fibra têxtil e condições de plantio. Enquanto as variedades nacionais não tinham sido obtidas, sementes foram importadas da Holanda, e Renner associou-se à firma Beltrami & Cia para iniciar a plantação de linho em Farroupilha, que era misturado inicialmente à matéria-prima importada, antes da fiação. Posteriormente, Renner subsidiou a expansão da cultura para outras áreas, assegurando aos produtores a compra integral da safra, assim como estabeleceu áreas de cultivo próprio (FORTES, 2001).

CONSIDERAÇÕES PARA A ATUALIDADE
Em 1932 passou a ser proibido o cultivo, beneficiamento e comercialização de qualquer produto feito à base da planta Cannabis sativa, independendo da sua finalidade. Apesar de proibida, a maconha é uma das plantas mais antigas cultivadas pelos seres humanos e atualmente é a droga ilícita mais consumida em todo o mundo. Há, pelo menos, 10.000 anos, pessoas do mundo inteiro a consomem, tanto por sua resina psicoativa e suas propriedades, quanto por suas partes não-psicoativas, como sementes e fibras, por suas potencialidades nutricionais e enquanto matéria-prima.
Apesar de proibida nacionalmente ainda na década de 1930, foi somente em 1961 que a Convenção das Nações Unidas sobre Controle das Drogas equiparou o controle da planta aos mesmos adotados para a Morfina e Heroína, incluindo-a nas Listas I e IV desta convenção. No entanto, segundo a interpretação oficial do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC)4, as Convenções das Nações Unidas Sobre Controle de Drogas, de 1961 a 1988, têm como principal objetivo regular o uso medicinal e científico de drogas, e restringir e reprimir o comércio não-autorizado (tráfico) (LEBAUX, 2004).

É importante deixar claro que o cultivo de Cannabis com fins industriais não é controlado pelas Convenções sobre Drogas das Nações Unidas, que se refere às finalidades medicinais e científicas. Como já citamos acima, dezenas de países atualmente empreendem cultivos controlados pelo governo para abastecimento do mercado médico-farmacêutico e de fibras têxteis e sementes da planta.
Todas as informações sobre as atividades comerciais e científicas que envolveram o cultivo e uso do cânhamo entre os séc. XVIII e XIX não apenas indicam que a cultura dessa planta atravessou séculos no Brasil, mas também evidenciam que as origens dessa cultura são multifacetadas. Não é mais possível admitir tão facilmente, como antes, que a responsabilidade pela ampla disseminação da planta e dos seus usos no país se deve unicamente às populações de origem africana e indígenas.
Apesar das dificuldades de financiamento e das restrições impostas por isso, a pesquisa ainda está em andamento e foram algumas das informações recolhidas durante a pesquisa documental que ajudaram a compor esse artigo. Com o pouco que temos conseguido recolher e analisar, é possível afirmar que existe um amplo espaço para pesquisas inéditas a respeito do tema. Acreditamos que as pesquisas e discussões sobre esse tema não apenas vão ajudar a recompor uma parte da história do país que foi negligenciada, mas também vai ajudar a criar argumentos para flexibilizar o olhar a respeito dessa planta. Como podemos ver em dados do mercado atual de Cânhamo expostos ao longo do texto, não apenas o mercado está em ampla expansão, como os únicos impedimentos para que o Brasil assuma seu espaço nele são ligadas à vontade política e à aspectos morais.

FONTES
Código Brasiliense, ou collecção das leis, alvarás, decretos, cartas régias, etc., promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do Príncipe Regente..., com índice cronológico, 1808-1822. Rio deJaneiro: Imprensa Régia, 1811-1822. 3 volumes.

REFERÊNCIAS
ALVES, Eliege Moura. Uma Presença Invisível - Escravos em terras de alemãs. II Encontro “Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional”. Porto Alegre, 26-28 de outubro de 2005. Disponível em: http://www.labhstc.ufsc.br/poa2005/21.pdf

Ana Maria Belluzo. O Brasil dos viajantes. Vol. II. Um lugar no universo. São Paulo: Fundação Odebrecht, 1994.

BENTO, Cláudio Moreira. Real Feitoria de Linho Cânhamo em Canguçu Velho. Ediçao eletrônica: http://www.resenet.com.br/ahimtb/realfeitoria.htm

------------------------------------- Real Feitoria do Linho Cânhamo de Rincão do Canguçu 1783-1789. Canguçu; Prefeitura Municipal, 1992.

FORTES, Alexandre. ‘- Nós do Quarto Distrito…’. A classe trabalhadora porto-alegrense e a Era Vargas. Tese de Doutoramento. Unicamp, São Paulo, 2001.

KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos-, vol. 11 (suplemento 1), pp. 109-29, 2004.

LEAL, João Eurípedes Franklin. Economia Colonial Capixaba. Revista Cuca: Cultura Capixaba, Vitória, 1977.

LEBAUX, Valerie. Cannabis and cannabinoids under the united Nations drug control conventions. In: CARLINI, et al. Cannabis sativa L. e substâncias canabinóides em medicina. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2004. p. 103-115. Disponível em: http://www.encod.org/info/IMG/pdf/CannabisFinal.pdf

MAESTRI, Mário. Fazendas Públicas do Piauí: Sob o Jugo do Trabalho Sem Fim. Revista Espaço Acadêmico, n. 50, Julho/2005.

PELLANDA, Ernesto. A. J. Renner – Um capitão da indústria. Porto Alegre: Globo, 1944.

PAULI, Evaldo. Enciclopédia Simpozio. Santa Catarina Província: História econômica da Província. Disponível em: http://www.simpozio.ufsc.br/Port/9-enc/y-mega/EncReg/EncSC/MegaHSC/Santa%20Catarina%20Provincial/91sc1701-1756.htm

RAMINELLI, Ronald. Do conhecimento físico e moral dos povos: iconografia e taxionomia na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol VIII (suplemento), pp. 969-92, 2001.

SANTOS, Laura Carvalho dos. Homens e natureza: saberes e usos de plantas medicinais a partir dos relatos do viajante Antônio Moniz de Souza. Salvador (1808-1828). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal da Bahia, Salvador. 2008.

YOUNG, Erin Michelle. Revival of Industrial Hemp: A systematic anaysis of the current global industry to determine limitations and identify future potentials within the concepto f sustainability. Dissertação (Mestrado em International Environmental Science). Lund University – Suiça.

Notas:

1 Historiadora, Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia. (poshistoria@yahoo.com.br).

2 Pesquisador e Redutor de Danos. Atualmente também é Coordenador da Associação Interdisciplinar de Estudos sobre plantas Cannabaceae (Ananda); Pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP) e do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Substâncias Psicoativas (GIESP/UFBA), e membro do Coletivo Balance de Redução de Danos. (sergiociso@yahoo.com.br).

3 Cânhamo é a denominação mais comum para as fibras extraídas da planta Cannabis sativa, conhecida no Brasil mais comumente como maconha. Nesse texto preferimos o termo Cânhamo à maconha ou Cannabis porque o objetivo desse trabalho é tratar dos empreendimentos de cultivo que se destinavam à obtenção das fibras da planta e não da sua resina psicoativa.

4 Os dados apresentados a respeito do status da Cannabis sativa nas Convenções sobre Drogas da ONU (1961, 1971, 1988), são baseadas na fala de Valerie Labaux, Ph.D. em leis na área judicial, formada pela Universidade Paris II em Direito, à época representante do escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), durante o “Simpósio Cannabis sativa L. e substâncias Canabinóides em Medicina” (CARLINI et al, 2004).