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Período de chuvas chega e faz crescer lavouras de maconha no sertão de Pernambuco
Por: Fonte: Jornal O Globo em 23/03/2009
Data: 23/06/2009


O período de chuvas, que vai de abril a junho, não é só de alívio contra a seca no sertão pernambucano. É neste período que os traficantes aproveitam a regularidade das chuvas para formar na caatinga suas plantações sazonais de maconha. Da muda ao pé, com até 1m80 de altura, são cerca de 120 dias. O trabalho é minucioso. Primeiro, é feita a sementeira, onde as mudas se desenvolvem. Quando o ramo verde começa brotar e ganha corpo, é colocado em covas - cada uma com cinco a oito mudas. Assim, nas covas, nascem vários pés de maconha.

Em Pernambuco, a lavoura ilícita do tráfico não só se aproveita da chuva. Também se apodera das águas de irrigação tiradas do Rio São Francisco. Só neste domingo, a Polícia Militar de Pernambuco localizou duas grandes plantações de maconha encravadas em áreas de difícil acesso, de vegetação espinhosa.

Em Inajá, a 365 quilômetros de Recife, no sertão pernambucano, foram achados 6.888 pés de maconha em fase de colheita. O plantio foi feito em três diferentes áreas da Serra Negra, na zona rural da cidade. Quando a polícia militar chegou, ainda na madrugada, nenhum lavrador do tráfico foi localizado.

- É uma região montanhosa, de caatinga, com pedra e espinho. Muitas vezes, cães dão o alarde e eles percebem de longe a chegada da polícia - conta o major da PM José Rosemário Silva de Barros, responsável pela destruição da lavoura de maconha em Inajá, uma das áreas que possui o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, a 389 km de Recife, destas que nem imagem aparece no Google Maps.

Quando conseguimos pegar uma plantação, damos um prejuízo enorme. Eles têm custo alto para plantar, mas também ganham muito dinheiro

Dificilmente o financiador do plantio aparece. Se alguém vai preso, é o sertanejo que aceitou semear e plantar a maconha no meio da caatinga por poucos trocados.

Ao lado de cerca de 15 homens, o major Rosemário fez o que se faz sempre que uma plantação deste tipo é encontrada: é feita a contabilidade da lavoura e, em seguida, a vegetação da caatinga ajuda a alastrar o fogo que incinera os vistosos pés de maconha.

Neste domingo, quase que simultaneamente, a cerca de 300 km de distância de Inajá, o tenente Manuel Araújo Santana da Silva adentrava pela caatinga em meio a um dos maiores assentamentos de sem-terra do Brasil, o Fulgêncio, em Santa Maria da Boa Vista, no sertão de Pernambuco.

São cerca de 48 agrovilas que se utilizam do maior projeto de irrigação mantido pela Chesf no Nordeste, com área total de 240 quilômetros quadrados. Os primeiros assentados foram cerca de 10 mil sertanejos deslocados para o meio do nada com a construção da hidrelétrica Luiz Gonzaga, também conhecida como usina de Itaparica.

Numa área ainda não ocupada, quem ocupou foi o tráfico. Entre as agrovilas 2 e 3, na área de caatiga - 5 km de caminhada contados a partir do primeiro povoado - o tenente Santana fez arder 5.300 pés de maconha já vistosos e outras 15 mil mudas da erva que verdejavam em uma sementeira. Tudo foi arrancado e incinerado, conta o tenente, que entregou amostra na Delegacia de Policia Civil de Santa Maria da Boa Vista.

Também ali, ninguém foi preso.

- Quando conseguimos pegar uma plantação, damos um prejuízo enorme. Eles têm custo alto para plantar, mas também ganham muito dinheiro - reconhece o policial, que já achou um quilômetro quadrado de maconha posta para secar no meio da caatinga.

A plantação vizinha ao Fulgêncio não depende da chuva. A água que molha as mudinhas de maconha falta nas lavouras do assentamento dos sem-terra.

- Eles colocam mangueiras e conduites no canal de contenção do Rio São Francisco e desviam a água que deveria ir para o assentamento. O pessoal da agrovila se sente incomodado, por isso, quando sabe, denuncia. Eles roubam água de lá - explica o policial.

O tenente conta que os lavradores do tráfico têm de regar a maconha de manhã e à tarde, diariamente. Enquanto a plantinha cresce, moram em ranchos - estruturas improvisadas de palha ou lona - e levam mantimentos para a permanência no local, de quatro meses, no máximo. O fogão à lenha garante a comida do grupo, geralmente pequeno.

Esperam a maconha crescer até o embuchamento, quando a planta forma uma espécie de novelo de bucha. Depois, ela é posta para secar, é triturada e prensada, para que possa ser retirada da caatinga num volume bem menor, já em tijolos.

Neste domingo, apenas seis homens do Grupo de Apoio Tático Itinerante (Gati) colocaram fogo na maconha. Se houvesse resistência, teriam de se resolver ali mesmo.

- Chegamos por volta de 5h da madrugada. Queríamos chegar antes, para pegá-los chegando na roça. Mas ninguém apareceu - diz ele.

O tráfico, pelo jeito, não quer confronto no sertão.

Santa Maria da Boa Vista tem perto de 2 mil habitantes. Em gente, é pouco, mas em área é o terceiro maior município de Pernambuco. Seu limite é o Rio São Francisco.

A mesma água que ajuda a regar tomate e cebola de plantações às margens dão vida também à maconha. Segundo uma fonte da PM de Pernambuco, maior mesmo do que as plantações da caatinga são as lavouras de maconha que vingam nas ilhas no meio do rio. Ali, só se chega com bote de borracha, por causa do assoreamento do rio e da quantidade de pedras em seu leito.