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JOÃO CALVINO: 500 ANOS!
Ano 4 - Nº 17
Outubro de 2009
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigo
 
Calvino, 500 anos
Por: Eduardo Galasso Faria

A celebração do Jubileu de João Calvino em todo o mundo neste ano de 2009 tem sido a oportunidade para ir ao reencontro de um reformador que deu ao protestantismo um rosto latino. Passados tanto anos, a tarefa pode ser mais difícil do que se pensa. Acontece que este reformador mais do que os outros, tem uma imagem marcada por estereótipos que, de modo geral, ocultam sua real contribuição para o mundo ainda hoje.

Retomar a contribuição do reformador de Genebra para muitos implica em buscar uma herança esquecida e, portanto, não apropriada. Podemos pois, nos empenhar no exercício dinâmico de recuperar um passado que pode servir na recriação de nossa relação com o presente. Desde o século XVI, foram inúmeros os empreendimentos religiosos e culturais que enriqueceram essa herança de fé e vida, que não só foi retomada, mas muitas vezes engrandecida. Por vezes, as transformações no mundo e os impasses encontrados parecem colocar-nos ainda mais distantes dos elementos fundantes da tradição. O fato é que, tentar revitalizar a experiência passada exige uma nova consciência cristã.

Calvino é o símbolo do homem que lutou com Deus duramente até ser conquistado e ter submetido os seus interesses pessoais a uma causa  superior e muito maior que ele mesmo. O resultado foi um vida inteira de sujeição à Palavra de Deus, expressa em um significativo lema de vida: “Ofereço-te meu coração, Senhor, pronta e sinceramente”. Mas o alcance de seu trabalho atravessou continentes e ainda hoje aponta para a força do encontro pessoal com Deus e a consequente transformação do mundo para que, de algum modo, ele possa espelhar a vontade de seu Criador. Em meio às polêmicas que ainda persistem, criadas em torno de seu nome e de sua obra, somos atraídos para retomar hoje o caminho do reformador francês e reavaliá-lo.
Com este propósito, examinemos alguns pontos que podem tornar atual e desafiadora a prática de João Calvino para reformados e presbiterianos de hoje.

Calvino e a unidade da Igreja

Em um mundo pluralista como o nosso, torna-se maior o desafio para que a realidade do corpo de Cristo tome forma entre os cristãos. Nem sempre a questão se apresentou de forma tão premente como hoje. Como protestantes oriundos do movimento missionário do século XIX, na América Latina e no Caribe, vivemos uma história de polêmicas com outros ramos do cristianismo. Nascemos em meio a uma igreja dividida, que sempre considerou natural os grupos cristãos viverem separados. Por isso, temos pouca sensibilidade para a gravidade do problema da divisão no corpo de Cristo. Como resultado, um discurso combativo e proselitista fortaleceu o espírito denominacionalista.

Familiarizados com o “inevitável”, consideramos normal e às vezes até vantajosa tal situação. Com o passar do tempo, tornou-se natural olhar os irmãos de outra confissão de forma indiferente, sem qualquer empenho para que se criasse um ambiente de diálogo e comunhão com eles. Não há dúvida de que o progresso das grandes religiões orientais demonstram parte do nosso fracasso como mensageiros do poder reconciliador de Jesus Cristo entre os homens.

Com o apego às certezas doutrinárias, cresceu o poder desagregador existente no mundo e continuamos desprezando a mensagem do Novo Testamento, que aponta para a unidade cristã. Aí encontramos a oração sacerdotal de Jesus (Jo 17), rogando ao Pai para que sejamos um. Também Paulo apela para que não haja divisões entre nós (1 Co 1.13) a fim de procurarmos o ministério da reconciliação (2 Co 5.18-19) até chegarmos à unidade da fé (Ef 4.3-5). Frente aos esforços ecumênicos, a resposta dada foi, muitas vezes, de prevenção e medo, sendo apresentada como condição para a união, a uniformidade doutrinária, sem se considerar que a real unidade é dom e criação do Espírito Santo.

Bem diferente era a situação do jovem Calvino quando, acuado pela consciência, teve que romper com a religião tradicional de sua família. Viu-se forçado a isso. Assim, ao mesmo tempo em que sentia a força de um chamado irresistível da parte de Deus, sofria pela possível e indesejável ruptura com a única igreja, que embora desviada, constituía a expressão do corpo de de Jesus Cristo.

O temor da divisão

Foi com grande temor que os reformadores enfrentaram a inevitável questão da divisão. Nem Lutero, nem Calvino queriam a separação e jamais tiveram a intenção de  organizar uma igreja autônoma. No caso de Calvino, é possível acompanhar o drama vivido por ele através de um pequeno escrito, Epístola ao Cardeal Sadoleto, de 1539. Esta epístola surgiu a pedido das autoridades genebrinas, em resposta às tentativas do ilustre cardeal que desejava fazer o povo de Genebra retornar à Igreja papal. Nas respostas de um imaginário jovem, questionado por abraçar a nova fé, o reformador colocou indiretamente a sua própria experiência, como converso às novas idéias.

No juízo final, como explicaria este jovem o fato de ter se separado da Igreja verdadeira? Como justificaria o pecado contra a unidade da igreja? As respostas do jovem converso revelam sofrimento, angústia e sentimento de culpa: “Fui acusado de heresia...O zelo pela unidade me consumia... Tu sabes, Senhor.... que a única coisa que eu desejei foi dirimir todas as controvérsias com a tua Palavra, para que, assim, ambas as partes pudesssem, com um só pensamento, lutar para o desenvolvimento do teu reino; mesmo com perigo para a minha vida, fiz todo o possível para devolver a paz à igreja... Para mim a unidade da igreja é aquela que se inicia e termina em Ti.”

No trabalho persistente de fundamentar a obra iniciada e que se expandia, Calvino escrevia cartas para atender às consultas que lhe vinham de diversos lugares e pessoas. No entanto, mesmo em situações delicadas, jamais se deixou dominar por um espírito menor interesseiro ou puramente confessional. Quando foi consultado por reformados, fora de sua igreja, sobre a dificuldade de participar nos cultos das igrejas luteranas com velas, sinos e altares, sua orientação foi clara: tais coisas deviam ser consideradas secundárias, uma vez que o cristianismo não se define por práticas cerimoniais. Aparentes divergências “podiam ser acomodadas, tendo em vista o espírito de união que devia prevalecer.” Nas Institutas,  citando Fp 3.15, ao falar de eclesiologia, Calvino exorta: “Se temos divergências nas questões secundárias, (Deus) nos esclarecerá a seu tempo... não sendo assim necessárias, elas não devem ser matéria de separação...”.

Ao ser indagado sobre a possibilidade de estar presente a uma reunião com os demais reformadores, para superar as divisões que o corpo de Cristo sofria na Europa, Calvino respondeu ao arcebispo anglicano Thomas Cranmer em 1552: “Estarem separadas as igrejas é um dos maiores males do nosso século... com o corpo disperso, o corpo da igreja sangra... Esse problema me importa tanto que, se alguém julgue de alguma utilidade a minha presença a esse encontro, estaria disposto a atravessar dez mares par ir até lá.”

O pensamento ecumênico de Calvino

André Biéler, escreveu sobre o universalismo e o humanismo ecumênico de Calvino. Para ele, o reformador de Genebra não estava interessado apenas em verdades religiosas mas tinha paixão por “fazer triunfar na sua integridade a verdade sobre Deus e os homens”. Com relação à unidade, sua intenção nunca foi a de se separar e sofria ao pensar nisso. Tinha consciência de ser a igreja católica o corpo único de Cristo (não só por estar em todo o mundo, mas porque Cristo é o único salvador de todos, que  se encontrarão com ele no final). Nada mais estranho para ele do que imaginar uma seita ou grupo chamado calvinista e menos ainda um confessionalismo auto-suficiente. Na Confissão de La Rochelle, escrita para os franceses, o artigo 26 diz: “Cremos que ninguém deve isolar-se ou contentar-se consigo mesmo; antes, devemos juntos guardar e preservar a unidade da igreja...” Sua afirmação fundamental e de fé é que, diante do corpo único de Cristo, as divisões são impotentes e provisórias.

Quando em Estrasburgo, ao lado de Martin Bucer, Calvino particiou em vários  colóquios também políticos sobre a possibilidade de retormar o convívio com  a Igreja Romana: Haguenau em 1540, Worms e Ratisbona em 1541. Sua disposição de espírito podia levá-lo a pensar, se necessário fosse, em “se fazer cortar a cabeça a fim de que a paz seja restabelecida no seio da Igreja”. Mais tarde, em 1541, participou de esforços para unir reformados, zuinglianos, luteranos e anglicanos. Aceitar diferenças de doutrina sem querer impor uma unidade compacta, respeitando costumes próprios de cada grupo, lhe parecia algo totalmente viável. Mesmo com relação à Igreja de Roma,  Calvino jamais chegou a dizer que ela não continha sinais da igreja verdadeira. Seu limite era claro: diante das superstições só não se pode ceder contra a verdade que é Cristo e em quem se encontra a unidade. Em 1549, como resultado de muitos esforços, elaborou juntamente com Henrique Bullinger, sucessor de Zuínglio, o Acordo de Zurique (Consensus Tigurinus) que, na controvérsia eucarística, pôde unir reformados de fala francesa e alemã.

Assim sendo, o movimento reformado, tendo como autoridade a Bíblia e a verdade de Cristo, pode reivindicar um forte traço ecumênico para seus ensinos, que não pretendem ser absolutos. Para o prof. Biéler, não há fronteiras para o humanismo de Calvino: “É um humanismo universal, capaz de romper as barreiras que os homens erguem uns contra os outros. Em Cristo abolem-se as fronteiras nacionais, ideológicas e raciais.”

Os  reformadores, ao contrário do que veio a acontecer nos séculos posteriores, estavam empenhados em discutir o essencial na vida da igreja, sem se prender à questões como estrutura de governo ou doutrina correta. Seu ponto fundamental foi a ação da igreja no mundo. Por isso, muitas vezes os  reformados têm se empenhado e tido um lugar proeminente na luta pela unidade da igreja e no movimento ecumênico mundial. O Conselho Mundial de Igrejas (CMI), organizado em 1948, teve como seu secretário geral por quase vinte anos (1948-68) o dr. W. A.Visser´t Hooft, da Igreja Reformada Holandesa. Outro nome importante, que atuou como missionário na América Latina, foi o escocês John Mackay, conhecido pela luta que travou em favor da união entre as igrejas do norte e do sul dos Estados Unidos, que se concretizou em 1983. O Dr. Mackay esteve por muitos anos à frente da importante cátedra de Ecumenismo do Seminário Teológico de Princeton.

Os reformados e a predestinação

Embora brevemente, é preciso mencionar a doutrina da Eleição como um dos pontos que reclamam atenção ao se falar de Calvino. Os herdeiros do reformador têm sido caracterizados, de forma justa ou não, como aqueles que mais se dedicam ao tratamento deste ponto teológico. No entanto, para Calvino, ao contrário do seu desejo, este ensino bíblico devia ser tratado pastoralmente e representava acima de tudo,  “o indizível conforto na noite escura da alma”. Era ensino para ser acolhido com gratidão e humildade e não com presunção. Depois de haver tratado do assunto colocando-o em relação direta com o conhecimento do Deus criador e da criação, resolveu alterar a sua posição dentro das Institutas. Atento ao seu verdadeiro significado, o reformador o colocou no livro III, logo após discutir a Vida Cristã. Na verdade, para ele, só teria condições de entender este profundo mistério quem tivesse uma verdadeira experiência de vida cristã.
Muitas dificuldades se originaram do tratamento unilateral dado à sua afirmação de uma dupla predestinação: “Pois, não são criados todos em igual condição; pelo contrário, a uns é preordenda a vida eterna , a outros a eterna danação. Portanto, como criado foi cada qual para um ou outro desses dois fins, assim o dizemos predestinado ou para a vida ou para a morte.” (As Institutas, livro III, XXI).

Uma série de dificuldades, como reconhece o próprio Calvino, levaram-no inclusive a enxergar em sua formulação um “decretum horribile”. A busca de interpretações bíblicas e teológicas adequadas desta questão tem uma ampla história, que resultou do empenho de vários teólogos reformados por solucioná-la. Já no século  XVI, o assunto foi envolvido em um verdadeiro emaranhado que, na maioria das vezes, impede que sejam recebidos os verdadeiros benefícios de sua compreensão, como queria Calvino. Sua ênfase acabou resvalando para uma discussão filosófica sobre o destino, patrocinada principalmente pelo pensamento escolástico protestante do século XVII e que repercute ainda hoje.

A tentativa de uma releitura desta doutrina no século XX, feita pela Escola Dialética, gerou inúmeros questionamentos. Seriam as palavras de Calvino, sob a influência de Santo Agostinho, nas Institutas, suficientes para compreender o seu pensamento sobre o assunto? Será que em outros escritos, o teólogo João Calvino não teria diferentes subsídios a oferecer, que até hoje foram pouco considerados? Por que Calvino em escritos como os Sermões ou Comentários nunca se refere ao assunto da mesma forma como o fez nas Institutas? Teria ele sido levado a um radicalismo quando contestado em sua autoridade por desafetos como Jerôme Bolsec? Seria esta a razão para explicar um radicalismo autoritário de sua parte?

Fiéis à tradição do “sempre se reformando”, teólogos como Karl Barth e Emil Brunner têm sustentado pontos de vista que questionam ou recuperam o ensino total de Calvino neste ponto. Eles apontam para a necessidade de uma reapropriação cristocêntrica da Predestinação (predestinados em  Cristo, conforme diz Paulo em Efésios) e sustentam que Calvino não teria sido suficientemene cristocêntrico como gostaria de ter sido.

Ademais, a necessidade de uma pensamento mais racional e apologético no século XVII teria criado condições e levado a teologia, por meio da Ortodoxia Protestante, a se distanciar de uma abordagem mais fiel ao pensamento dos reformadores, seja Calvino, seja Lutero. Henri Strohl, pensador reformado francês, analisando o método teológico de Calvino diz que ele não foi um pensador escolástico e sim, dialético. É notável o destaque feito por ele de uma citação “lapidar e paradoxal” do próprio Calvino ao tratar da providência e que foi mantida em todas as edições das Institutas: “A predestinação não elimina a responsabilidade do culpado.... O homem cai segundo o desígnio de Deus, mas cai por sua própria culpa” (O Pensamento da Reforma. S. Paulo, Aste, 2a. edição, 2004, p. 144).

Neste caso, o desafio é recuperar e rever o ensino reformado sobre uma questão cujo tratamento tem sido considerado proibitivo para muitos, mas que para Calvino era visto como bênção divina, resultante da ação soberana de Deus no que se refere ao cuidado com a nossa salvação. Isso se não quisermos pensar também nas possíveis implicações que um ensino desfocado poderia ter para a prática cristã e o anúncio do evangelho.

A transformação da sociedade
Calvino não podia imaginar a salvação como algo restrito unicamente à vida no além, sem maiores implicações para a vida das pessoas. Falar em salvação das almas com a frequência que se faz hoje por certo seria algo bastante estranho para o reformador de Genebra, que tinha bem clara diante de si a tarefa de levar a cidade, “das trevas à luz”, a fim de torná-la a cidade de Deus. Não apenas isso, mas Deus tem propósitos para o mundo. Os homens são chamados a viver a experiência do amor em uma comunidade ética a fim de glorificar o seu nome na terra. Como resultado, a partir de Genebra, Calvino coordenou com suas qualidades de organizador e legislador, a construção de uma nova cidade, que haveria de servir como inspiração para outros cristãos em diversos lugares. Foi assim que, na Europa, a atuação dos reformadores favoreceu a construção das bases para o desenvolvimento de um pensamento político e social que, mais tarde, resultaria na formação da democracia ocidental.

Tal espírito de participação ativa na construção social e política a partir de um sentimento de missão, gerou um espírito de não conformismo por exemplo, com relação ao direito divino dos reis, nos quais se fundavam os despotismos, acolhidos sem contestação durante séculos na Europa. Ou então, como aconteceu na experiência ousada dos puritanos que, perseguidos por causa de suas crença, atravessaram o Atlântico para inaugurar na América uma sociedade cujos fundamentos buscavam, nada mais nada menos, que a implantação do reino de Deus na terra.

Tal iniciativa pode ser entendida a partir da forma como Calvino via o mundo, sempre atento ao que estava acontecendo ao seu redor. Com tal perspectiva ele, muito mais que Lutero, foi capaz de compreender e se alinhar ao lado do novo homem que surgiu das transformações ocorridas na sociedade, no final da Idade Média. Era impossível para o pensamento conservador católico medieval compreender as exigências de uma atividade comercial em expansão. Como mostrou o prof. Biéler, Calvino soube compreender os anseios da burguesia nascente, assim como entendeu a luta dos construtores da cidade moderna livre e de seus cidadãos. Assim, ele reuniu as condições que lhe permitiram orientar os que, ansiosamente, estavam empenhados nas lutas libertadoras de seu tempo. Com esta acuidade Calvino, como exegeta, soube relacionar o estudo da Palavra de Deus no Antigo Testamento com a nova situação, fornecendo perspectivas bíblicas para os comerciantes burgueses e sua classe.

A revolução Puritana de Cromwell

A América Latina viveu na segunda metade do século XX um importante momento político revolucionário e muitos foram os cristãos que se alinharam ao lado dos que buscavam a sua transformação. O envolvimento protestante neste período histórico de grande agitação social tem uma importante e sofrida memória que tem sido resgatada para ser melhor conhecida. Naquele momento, quando se apresentava uma proposta desenvolvimentista como solução para o problema das massas empobrecidas, a presença do missionário presbiteriano Richard Shaull no Brasil e sua atuação, juntamente com outros companheiros em ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina), contribuiu para que se desenvolvesse uma consciência da “responsabiliade da igreja evangélica diante das mudanças sociais”.
Shaull, fazendo uma ligação entre as transformações sociais nos séculos XVI e XX, relembrou que Calvino poderia ter grande importância para o desenvolvimento de uma atuação cristã frente aos acontecimentos. Foi quando procurou recuperar através da análise da Revolução Puritana (Revolução dos Santos), de Oliver Cromwell, na Inglaterra, em 1648, os valores da atuação histórica contestadora dos puritanos. Contra a imposição de mais impostos pelo rei e a nobreza, uniram-se presbiterianos e puritanos em uma ação revolucionária que enfim criou a república e depôs o rei Carlos I. Esta demonstração de ação dinâmica em meio aos acontecimentos, por parte dos puritanos e presbiterianos ingleses, mostrou as possibilidades criativas do calvinismo para a construção de uma nova opção de vida no mundo moderno.

A análise de Shaull mostrou como o calvinismo, ao contestar o status quo e afirmar a soberania de Deus, se tornou atrativo para aqueles que eram inconformados com uma situação de desagregação social. Ao convocar os homens para transformar o mundo, os calvinistas liberaram nas pessoas sua energia revolucionária. Não é casual o fato de que os ingleses, em uma história bem diferente da França, alcançassem por meios pacíficos, anos mais tarde, com a Revolução Gloriosa de 1688, limitação do poder absoluto dos reis em favor do Parlamento. Tudo isso contra a poderosa visão medieval de que a ordem estabelecida é imutável e sagrada. Para os puritanos era possível sim, reconstruir a ordem social, política e a familiar diante dos sinais de incapaciade das instituições de fazer isso.
Shaull concluiu sua análise dizendo que precisamos ter coragem para sepultar os sistemas e modelos antigos de pensamento teológico e confiar na ressurreição da teologia como fonte de orientação para fornecer novos rumos à ação cristã. E apesar de todas as implicações do pensamento de Calvino, nem sempre é demais lembrar que ele não era um simples reformador social, mas um servo de Deus!

*Teólogo, Pastor da Igreja Presbiteriana Independente; professor no Seminário Presbiteriano Independente, de S. Paulo. Mestre em Ciências da Religião pela UMESP. Autor  do livro “Fé e Compromisso”, sobre a vida de M.Richard Shaull.

Bibliografia

BIÉLER, André.  O Pensamento Econômico e Social de Calvino. S. Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.
FARIA, Eduardo Galasso (ed.). Jão Calvino – Textos Escolhidos. Publicações João Calvino. São Paulo: Pendão Real, 2008.
_________ Fé e Compromisso. Richard Shaull e a Teologia no Brasil. S. Paulo: Aste, 2002.
ISAL. America Hoy – Accion de Dios y responsabilidad del Hombre. Montevideo: 1966.
SHAULL, Richard. De Dentro do Furacão: Richard Shaull e os Primórdios da Teologia da Libertação. S. Paulo: Editora Sagarana, Cedi/Clai/Ciências da Religião, 1985.