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“RELIGIÃO E POLÍTICA: CON(VIVÊNCIA)? CON(FUSÃO)?”
Ano 5 - Nº 22-23a
Novembro de 2010
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigo
 
O pentecostalismo e a política: o fiel da balança?
Por: Rogério Ferreira do Nascimento (Doutor em Ciência da Religião pela UFJF)

À guisa de introdução
A presença dos pentecostais na política já não é mais novidade. Desde sua destacada participação em 1986, quando da eleição para a Assembleia Constituinte, ela tem se tornado cada vez mais visível, importante e polêmica no cenário eleitoral brasileiro. Se alguns ramos denominacionais têm encarado a política como verdadeiro campo de “batalha espiritual” e lugar decisivo para sua afirmação religiosa, o que revela o destacado caráter religioso dessa participação política, por sua vez, setores da mídia e alguns analistas de plantão, tem apontado o voto evangélico e pentecostal como decisivo em vários pleitos regionais e nacionais.  A avaliação de Ruda Ricce 1 recentemente foi emblemática: para ele o voto evangélico/pentecostal definirá as eleições presidenciais de 2010. Participação apaixonada de um lado, peso político crescente de outro. Seria exagero dessas análises avançar esse tipo de  afirmação ou seria isso realidade inconteste?  Qual têm sido de fato a marca e o peso da participação política dos pentecostais na arena política?

Para responder essas e outras perguntas gostaríamos inicialmente de fazer uma breve retrospectiva da participação pentecostal na política, avaliando seus caminhos e descaminhos chamando a atenção para a crise /enfraquecimento da ideologia convocatória de participação política do grupo, cunhada como “irmão vota em irmão”. Essa crise surge de duas situações distintas e complementares: primeiro, da fragmentação e segmentação crescente do campo religioso pentecostal com disputas políticas institucionais claras, repercutindo diretamente na forma de participação política do grupo e segundo, dos próprios percalços políticos do grupo. O péssimo desempenho da representação política de muitos candidatos pentecostais tem relativizado essa elaboração ideológica. O fato de muitos irmãos não serem pessoas “tão sérias”, “preparadas” ou “éticas” quanto deveriam ser, tem revelado que nem sempre “votar em irmão” parece ser uma boa opção.

Por fim, gostaríamos de tecer breves considerações sobre o desempenho dos pentecostais no primeiro turno das eleições de 2010 ponderando o peso de sua participação política no 2º turno. A impressão final é que o pentecostalismo brasileiro longe de ser uma força monolítica de considerável valor e peso, tem se mostrado mais como um mosaico de posições políticas onde o que prevalece são os interesses pessoais e particulares dos líderes, dos grupos e das igrejas em nada se configurando uma novidade no modo brasileiro de fazer política.

Pentecostais e Evangélicos

É bom de início diferenciar evangélicos e pentecostais. Embora os pentecostais sejam considerados evangélicos, nem todos evangélicos são pentecostais, ainda que seja crescente a influência pentecostal sobre as demais igrejas do chamado protestantismo histórico. O pentecostalismo é o ramo mais dinâmico do movimento evangélico brasileiro atual. É ele, em termos numéricos, que tem gerado o estrondo do crescimento evangélico.  Em 1991 os evangélicos eram 9% da população brasileira, em 2000, já chegavam à cifra de 15,4%, o que em termos absolutos significava nada menos do que 26.184.941 de adeptos segundo dados do IBGE.  Nesse período os pentecostais passaram de 5,6% em 1991 para 10,4% da população em 2000, ou seja, de 8.768.929 para 17.617.307 adeptos. Não é errado dizer, portanto, que o Brasil é hoje o maior país pentecostal do mundo em termos numéricos e que o pentecostalismo é o segundo maior grupo religioso do país.

As razões desse crescimento são várias e não é nosso objetivo discuti-las aqui. Importa agora perceber que no atual e diversificado campo religioso brasileiro o pentecostalismo tem se apresentado como um grupo heterogêneo, dinâmico e polêmico. Heterogêneo porque se distribui por várias igrejas de tamanho variado de norte a sul e leste a oeste do país, com particularidades pastorais, litúrgicas, teológicas e sociais. Dinâmico porque apesar dos desafios da secularização e da competição religiosa continua a produzir adeptos aumentando com enorme sucesso seu número de seguidores. Polêmico, por rivalizar com outros agentes no campo religioso e não abrir mão de novas estratégias para alcançar reconhecimento, prestígio e poder.  É nesse sentido que sua presença na arena política tem gerado várias interpretações.

Os Pentecostais na política

A entrada dos pentecostais na política se deu efetivamente nos anos 80. Vai ser nessa década que um tabu cultural será vencido.  Esse tabu estava ligado à própria constituição cultural do grupo, ou seja, sua leitura do mundo (sua cosmovisão) e sua maneira de agir e intervir no mundo (seu ethos). Essa percepção cultural fazia do crente pentecostal um peregrino na terra, lhe dando direito apenas à cidadania celestial. A rejeição ao mundo e seus atrativos era um condição fundamental para uma vida digna e virtuosa aqui neste mundo segundo essa percepção cultural.

As mudanças sociais, econômicas e políticas do final da década de 80, entretanto, fizeram com que o grupo abandonasse essa tradicional posição cultural para “consagrar” sua inserção de vez no mundo da política.  Os desafios dos novos tempos foram imperiosos. A chamada para uma nova ordem jurídica e civil que mexeria com a vida de todo brasileiro também tocava nos pontos principais da existência dos pentecostais: seus direitos e sua liberdade religiosa. O “quietismo” tradicional deveria ser substituído por um “ativismo” religioso que pudesse salvaguardar os interesses do grupo, suas liberdades, suas necessidades. Se antes participar não era algo necessário, agora o clima gerado pelo medo do que viria a ser a nova Constituição levou ao desejo de participação. A idéia de “reescrever” o Brasil era um desafio que não poderia passar sem resposta. Neste contexto, o livro “irmão vota em irmão” de Josué Sylvestre, foi a centelha ideológica que legitimaria a participação dos pentecostais na política. Para substituir a idéia dominante que afirmava que “política não era lugar para crente” o mote ideológico “irmão vota em irmão” foi o slogan adotado para uma chamada, uma convocação geral para os pentecostais participarem do mundo da política. Seu programa foi um sucesso e ainda é usado até hoje em muitas igrejas.

Naquele contexto, o êxito da mobilização repercutiu no número de representantes evangélicos para Câmara Federal que subiu de 12 deputados em 1982 para 32 em 1986. Desse número 18 eram pentecostais sendo 14 pertencentes aos quadros da Assembléia de Deus. Formava-se pela primeira vez na história da República uma bancada política com expressivo número de votos. O gosto pelo prestígio e pelo poder fez o grupo continuar mobilizando seus eleitores para não perder espaço na arena política. Nas legislaturas que seguiriam a experiência matricial de 1986 assistiu-se progressivamente o crescimento da Bancada Evangélica (vide Quadro 1).


Legislatura

Deputados Federais

1983-1986*

12

1987-1990*

32 – 18 pentecostais

1991-1994*

23

1995-1998*

32

1999-2002*

51

2003-2006**

59

2007-2010***

32

2011-2015***

71 – 44 pentecostais

                    Quadro 1 Fonte: *Fonseca (2002), **Oro (2006), ***DIAP (2008,2010).

Será durante a década de 1990 que as questões ligadas às concessões de rádio e televisão bem como o apoio ao governo com vistas a uma boa retribuição ganham espaço na agenda dos representantes evangélicos e principalmente dos pentecostais. O interesse do grupo volta-se para o espaço político para extrair dele o maior número de benefícios e dividendos possíveis. A cultura política brasileira do “é dando que se recebe” não foi censurada, ao contrário, aceita e aproveitada da melhor maneira possível. 

No plano executivo essa forma de participação política se processou através de apoios e barganhas diretas. Em 1994, praticamente todas as igrejas evangélicas e pentecostais declararam apoio ao candidato do PSDB à Presidência, o tucano Fernando Henrique Cardoso.  Em 1998 a fragmentação do campo religioso e seus interesses específicos fizeram com que a Igreja Universal do Reino de Deus seguisse caminho contrário ao caminho seguido pelas demais igrejas pentecostais e não apoiasse a reeleição de Fernando Henrique. Muitos atribuem essa recusa ao fato da IURD ter recebido várias investigações da Receita Federal e uma multa no valor de aproximadamente 98 milhões de reais 2. Fato é que os interesses particulares das igrejas e seus projetos particulares de expansão e influência social já davam nota de que o pentecostalismo se diversificava não apenas em suas estruturas eclesiais, teológicas e sociais, mas também nas propostas políticas.

Aos interesses dos vários grupos também se associaram os interesses pessoais e particulares de muitos políticos, o que gerou um rasgo enorme no comprometimento ético dos “representantes da igreja” no Congresso. A famosa crise do mensalão e o escândalo das sanguessugas, em 2005, tornaram-se vexame nacional e um anátema ao rigor moral evangélico. Era demais tamanha descompostura. Uma reavaliação era mais do que necessária. A resposta a esta situação viria nas eleições de 2006. A redução da bancada evangélica quase à metade mostrou que diferente do eleitor comum, o eleitor pentecostal e evangélico soube punir os candidatos que serviram de escândalo à sua fé. Assim, em 2006, a bancada evangélica murchava de 59 para 32 deputados federais. Todos os que foram julgados e condenados pelo Conselho de Ética da Câmara não foram reeleitos. O famoso jargão “irmão vota em irmão” perdia prestígio, quando não era motivo de acentuada crítica e avaliação.

A participação pentecostal nas eleições de 2010

Mas apesar dos percalços e descaminhos, o que se assistiu nas eleições deste ano não foi nem parada, nem redução, nem um desencanto do eleitor evangélico e pentecostal para com a vida política. Muito pelo contrário, a participação eleitoral do grupo continuou a crescer e foi provocativamente incentivada pelas várias correntes ideológicas em movimento na sociedade.

As demandas morais e religiosas se tornaram relevantes novamente para o grupo e foi no encalço delas que boa parte da bancada evangélica conseguiu recobrar fôlego e se eleger. Nesse ano houve um considerável crescimento da bancada em relação à última legislatura. Ela conseguir sair da casa dos 32 deputados saltando para a casa dos 71 congressistas, ou seja, 68 deputados e 3 senadores.

Embora tenha sido em cima de bandeiras ligadas “aos perigos” da legislação liberal dos direitos humanos, na luta em defesa da vida, contra o aborto e o homossexualismo, que boa parte dos deputados pentecostais tenha conseguido construir sua eleição, não é possível reduzir a sua futura posição política a apenas às questões de fundo moral e religioso. Vários estudos têm demonstrado que a atuação de muitos parlamentares pentecostais e evangélicos não se reduz  apenas a legislar sobre religião e moralidade. Essa posição ideológica de ignição, embora assuste a ala progressista da política brasileira e não poucas vezes lance sobre os pentecostais, a pecha de ultraconservadores, não registra na realidade a profundidade dos fatos. Uma fotografia da composição partidária dos eleitos para o Congresso revelará que boa parte dos seus membros farão parte da base aliada do governo no Congresso na próxima legislatura.  O que significa, sob muitos aspectos, um certo comprometimento com agenda política estabelecida pelo projeto político encabeçado pelo governo federal.

Assim, é possível perceber que a idéia que apresenta os evangélicos, os pentecostais como um grupo coeso, portador de uma identidade definida e politicamente coerente é no mínimo superficial e fraca. O grupo é heterogêneo e na maioria das vezes tem reproduzido o que já existe aí na política brasileira. Nesse sentido não são nem anjos, nem demônios.

O segundo turno

Ainda que no calor do primeiro turno os pentecostais tenham sido seduzidos pelo discurso inflamado de setores da chamada nova direita, marcado pelo forte tom moral e conservador, o segundo turno caminha ao que tudo indica em outra direção. A onda de boataria que pegou fogo no final do primeiro turno, tirando da candidata do governo a possibilidade de vitória, não deve se repetir no segundo turno. Isso não quer dizer que a mesma ganhará o pleito. Novas estratégias políticas serão desenhadas, novos discursos serão elaborados. Isso provavelmente reduzirá o elemento emocional e “imprevisível” do pleito.
Dois pontos precisam ser lembrados nesse novo momento. Primeiro, como já dissemos, os interesses políticos das várias instituições religiosas e grupos religiosos são distintos.  São vários os pentecostalismos. Portanto, não dá para dizer que o candidato da oposição ou o da situação  leva o apoio total do grupo, os votos de Marina, por exemplo. A unanimidade é difícil.

Segundo, é  preciso perceber que para além dos interesses institucionais as pessoas vivem no chão da vida a partir de suas posições sociais. O que significa dizer que, uma vez eliminado ou abrandado o discurso religioso de tom moral fervoroso, a tendência será das pessoas ponderarem mais as possibilidades de suas opções e escolhas políticas a partir de suas próprias experiências.  E nesse sentido, do ponto de vista social , o  pentecostalismo se distancia profundamente da nova direita localizada, principalmente, entre os setores da classe média e alta paulista, visto que o seu fundamento sociológico deita  suas raízes  nas classes trabalhadoras do setor urbano brasileiro. Com base nessa experiência social é bem provável que parte do segmento faça opção pela candidata do governo. Mas, é preciso levar em conta também a  capacidade do grupo de absorver o debate ideológico produzido a partir de suas categorias culturais.

No jogo da política pensar que os evangélicos ou os pentecostais são todos reacionários e conservadores e possuem uma opinião monolítica e uniforme sobre o futuro do país e o destino da nação é, no mínimo, desprezar a complexidade da vida social, com suas diferenças institucionais, partidárias, ideológicas e sociais.

Referências:

FONSECA, A. B. C. da. Secularização, pluralismo religioso e democracia no Brasil: um estudo sobre a participação dosprincipais atores evangélicos na política: 1998-2001. 2002. 278f.Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

ORO, A. P. Religião e política no Brasil. In: ORO, A. P. (Org.).Religião e política no Cone Sul: Argentina, Brasil e Uruguai. São Paulo: Attar, 2006. p.75-156.

DIAP. Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Disponível em: http://www.diap.org.br/index.php. Acesso em: 20 outubro 2010 .

RICCI, Rudá . “O voto evangélico vai decidir o 2º turno”. Entrevista especial com Rudá Ricci IN: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36931

JB on line 13-10-2002