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HERESIAS DA PRESENTE CONJUNTURA SOCIOPOLÍTICA E CULTURAL
Ano 2019 - Nº 32
Junho de 2019
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigos
 
Violência contra os lutadores e lutadoras do povo no Brasil
Por: Alessandra Farias Pereira

Desde 2013 o Brasil passa por inúmeras mudanças. A ocorrência de inúmeras manifestações de rua; o impeachment de Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016; um Governo Interino que promoveu o Golpe de Michel Temer; a imposição de uma agenda de reformas contra as políticas públicas econômicas e sociais, como a proposta de Emenda à Constituição 55/2016, promulgada no dia 15 de dezembro de 2016 pelo Congresso Nacional, congelando por 20 anos, a partir de 2017, as despesas do Governo Federal, inclusive em áreas como saúde e educação; a Reforma Trabalhista aprovada no Congresso Nacional no dia 11 de julho de 2017, que ataca os direitos trabalhistas como o negociado sobre o legislado, férias fracionadas em até 3 períodos, intervalo de intrajornada reduzida até 30 minutos, a perca de reflexo das horas extras, passando a valer somente para as horas trabalhadas, fim das horas in itinere; entre outras mudanças.

Além dessas propostas que já foram aprovadas no Congresso Nacional e entraram em vigor já em 2017, existem muitas outras propostas e projetos que visam atacar os direitos do povo brasileiro, entre elas, também estão a Reforma da Previdência Social e as privatizações de mais de 57 projetos de concessões e privatizações de empresas públicas. O Governo colocou à disposição da iniciativa privada a administração de 14 aeroportos, 11 lotes de linhas de transmissão, 15 terminais portuários, além de parte da Eletrobrás. No dia 23 de agosto de 2017, Temer extinguiu a Reserva Nacional do Cobre e seus associados (Renca), uma área na região da Amazônia, entre os estados de Pará e Amapá, que tem 47 mil quilômetros quadrados. Essa extinção deve permitir que cerca de 30% da área, que hoje é protegida, seja usada pela mineração privada. São no mínimo 9 áreas protegidas afetadas, entre elas, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d'Este, o que ameaça a vida de vários povos indígenas, pescadores, ribeiros e extrativistas.

Os compromissos assumidos pelo atual governo mostra a priorização de um modelo econômico inflexível à distribuição social, rígido na estrutura de acumulação relativa à mineração e à fronteira agrícola, autoritário e conservador. Esses são fatores que fragilizam o Estado Democrático e os direitos humanos.

Essa postura do atual presidente do Brasil é refletida no aumento das violências praticadas por agentes do Estado, como é possível identificar pelo crescimento das chacinas nas periferias e grandes centros urbanos, cometidas por milícias armadas que tem comprovadamente envolvimento de agentes do estado, como por exemplo, as chacinas ocorridas em 2016 e 2017 em Belém, no estado do Pará e na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Também há um acirramento dos conflitos no campo nos anos de 2016 e 2017. O ano de 2016 foi extremamente violento para as pessoas defensoras de direitos humanos (DDHs) no país, com 66 assassinatos registrados nesse período. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano registrou o maior número de conflitos no campo dos últimos 32 anos, pois “foram contabilizados 1.079 conflitos, uma média de 2,9 registros por dia. Os assassinatos tiveram um aumento de 22% em comparação ao ano de 2015 e é o maior número de casos desde 2003”.

Em 2017, o cenário apresentou um aumento da violência contra trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas, entre outros, com 71 assassinatos no campo, conforme dados da CPT.  Episódios estes como o massacre de Colniza, no Mato Grosso, no dia 19 de abril de 2017, quando 9 vidas foram ceifadas; e em Viana, Maranhão, no dia 30 de abril de 2017, quando um ataque brutal deixou 22 feridos. No ataque ao povo Gamela no Maranhão, um indígena teve as mãos decepadas e ferimentos graves à altura dos joelhos, e outro, uma das mãos praticamente decepada. O militante do MST, Etevaldo Soares Costa, assassinado no dia 5 de maio de 2017, na fazenda Serra Norte, em Eldorado do Carajás, Pará, teve os dedos cortados, as pernas cortadas em 4 partes, os olhos furados, e foi colocado em um saco plástico e jogado fora da área da fazenda. No município de Pau d´Arco, no Pará, 10 trabalhadores foram mortos no dia 24 de maio de 2017.

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) apontou entre a população indígena em 2017, 128 casos de suicídio, 110 casos de assassinatos, 702 casos de mortalidade infantil. Sem falar na omissão do Estado Brasileiro, que nada diz sobre 847 casos de regularização de terras indígenas que estão parados e nos 96 casos de exploração ilegal de recursos naturais em terras indígenas.

A situação de violência em 2018 aumentou significativamente, mesmo no período pré-eleitoral que acreditávamos ter uma trégua. Mas foi o contrário, muitos ataques, principalmente contra a população LGBT, mulheres e negros. Vários ataques contra comunidades indígenas, acampamentos de sem terra e comunidade quilombolas.

Ante a triste conjuntura que nos assola, os desafios estão colocados aos movimentos. Em que cabe manter viva a mística do bem viver e continuar os processos de lutas organizadas e massivas; já a religião tem um papel importante nesse contexto de lutas pela vida contra ódio e a violência, uma vez que cabe à essas religiões o importante papel de contribuir na construção da paz social e na construção de um mundo para todos e todas, baseado no amor ao próximo, no respeito entre as diferenças e na solidariedade.

Com isso, finalizo dizendo que os próximos períodos que se aproximam não serão fáceis, uma onda conservadora domina uma parcela significativa da sociedade, e o sentimento de ódio e vingança reproduzido como justificativa para solucionar o problema da segurança pública no país nos coloca em estado de alerta e cuidado permanente.

Não menos preocupantes são os projetos de governo que avançam para a retirada dos direitos dos trabalhadores, retirada dos territórios tradicionais indígenas e quilombolas e desmantelamento das políticas públicas sociais principalmente as políticas voltadas para educação.

Nesse sentido, segue alguns desafios colocados para os próximos períodos:

  1. Combater as narrativas contrárias aos direitos humanos (disputar tais narrativas);
  2. Fazer o diálogo permanente com a população trabalhadora pobre do país;
  3. Fazer formação de base com a população;
  4. Orientar a população sobre os projetos de governo e direitos que estão em jogo;
  5. Criar redes locais, estaduais, nacionais e internacionais de apoio e proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos (DDHs);
  6. Insistir em uma política pública de proteção inclusiva e eficaz;
  7. Realizar lutas massivas para a manutenção e garantia dos direitos sociais, econômicos, culturais e políticos;
  8. Fortalecer a advocacia popular para atuar nos casos de criminalização das organizações e movimentos;
  9. Criar fundo emergencial para garantir uma proteção dos lutadores e lutadoras;
  10. Somar nas lutas protagonizadas pelas organizações sociais e movimentos;
  11. Defender da liberdade de crença;