Tempo e Presença Digital - Página Principal
 
TRAGÉDIA, MEMÓRIA E ESPERANÇA SOLIDÁRIA
Ano 5 - Nº 19
Março de 2010
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Página de KOINONIA
 
A cooperação ecumênica se renova

Aquelas pessoas que nunca ouviram falar de cooperação ecumênica provavelmente pouco sabem da história do Movimento Ecumênico, sua história de 100 anos desde Edimburgo e assuntos assim. Há um artigo nesta Revista que vai ajudar com informações sobre a história. A nós cabe uma pincelada que permita uma compreensão mais ampla acerca da cooperação ecumênica.

Tratou-se, ao longo dos anos, de uma iniciativa dos cristãos no mundo que, inicialmente, estabeleceram pontes de comunicação entre os países do Norte e do Sul, quando se queria fazer chegar a boa nova do evangelho a todos. A partir dessas primeiras iniciativas muita água rolou nesse rio de intenções e colaborações, gerações inteiras se passaram, assim como os conceitos e as formas de colaborar entre mundos. No pós-Guerra dos anos de 1940, a vontade geral de igualdade e reparação moveu os países, junto com a colaboração ecumênica, para estabelecer formas de desenvolver os não desenvolvidos e levar a todos o bem estar social. Sem julgarmos os méritos de um quê de ingenuidade dessa iniciativa - vista hoje por um olhar sistêmico -, estabelece-se junto com a colaboração entre cristãos a cooperação mais universal, para que todos/as tenham acesso ao bem estar social. Agenda que se acirrou com a “guerra fria”, que encheu de significado a cooperação que, aliada aos Estados do Norte, era um meio de evitar o avanço do comunismo (ironia invertida para os que, ecumênicos, atuavam na cooperação ecumênica e eram chamados de comunistas). A cooperação ecumênica ficou, nesses tempos de guerra fria, maior que as iniciativas entre cristãos e buscou a colaboração entre povos, com apoio financeiro das pessoas e Estados do Norte. Com a queda do muro de Berlin e o fim da guerra fria, acentua-se uma nova era da cooperação entre povos – uma agenda única em que todos se posicionavam do mesmo lado começou a produzir consensos. O novo consenso global da cooperação chamou-se combate à pobreza, isto é, o fim de toda a pobreza e a circulação do capital em geral seria a solução definitiva para a estabilidade do novo momento econômico global - um mundo de consumidores sob a égide de um só mercado global. Agente que, deixado a sua própria regulação, compensaria os pobres e moveria a sociedade, sinônimo implícito de desenvolvimento.

Vê-se que a cooperação ecumênica se entremeou de uma agenda complexa – de apoio internacional aos amantes da mensagem evangélica e da vontade de igualdade entre os povos, passou a ser uma das formas de cooperação financeira entre povos. Uma atividade que cresceu ao ponto de alcançar cerca de 2 bilhões de dólares anuais e que ganhou autonomia institucional e de princípios em relação com suas origens, tanto eclesiais como socioculturais. Em termos contemporâneos temos um só Movimento Ecumênico com vários matizes, e uma só cooperação ecumênica, mas também com muitas faces e prioridades – maiores, menores, multilaterais, profissionalizadas, diversa em temas como Direitos Humanos (em sua integralidade), Meio Ambiente, Combate à Pobreza, Ação em Emergências e outras.

A cooperação ecumênica que, como outras, cresceu em tamanho e se multiplicou ao redor do mundo, vê-se hoje diante de uma redução financeira e da pressão por mostrar sua diferença. Ou seja, demonstrar para a sociedade e para os Estados que o tipo de cooperação que estabelece é diferenciada de outras – e que por isso merece recursos. A resposta da cooperação ecumênica tem buscado responder a seus desafios em movimentos de unificação e de reafirmação de sua identidade.

É a partir de dentro do Movimento Ecumênico que a cooperação ecumênica tem procurado reinventar-se. Reavaliando, do seu lugar de autonomia relativa, o sentido de uma cooperação para o desenvolvimento e para a ajuda em emergências num mundo em que a religiosidade e as religiões florescem no terreno social global, ao arrepio de todas as previsões de total secularização de 50 anos atrás.

Um sinal dessa busca por reinventar-se é a criação da ACTAliança, no dia 24 de março de 2010, aliança global ecumênica entre igrejas, organizações de ajuda e organizações diaconais para atuar em processos de desenvolvimento e de emergências. Ao invés da saída isolada, volta a se impor a busca da colaboração. É um processo que, por trás das suas diversas camadas de profissionalismo e relações institucionais complexas, oculta uma utopia – aquela de um mundo sem desigualdades e de unidade entre todas as formas de crença.

Fazemos votos de um bom futuro a essa reinvenção, que não é só da cooperação, mas de todo o movimento ecumênico contemporâneo – filho dos cristãos de um século atrás, mas que ganhou vida, mundo e parentes que se espraiam por outras religiosidades e sonhos que podem muito bem ser articulados em torno dessa Aliança.