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Atualmente a Fazenda da Caveira é ocupada por aproximadamente
100 famílias, algumas descendentes dos antigos escravos da Fazenda Campos
Novos e outras vindas de outros municípios e estados. A Fazenda da Caveira
localiza-se no município de São Pedro da Aldeia, entre Cabo Frio e Armação
dos Búzios. De acordo com os moradores da Caveira, a ocupação desta fazenda
teria se dado ainda no tempo da escravidão por seus antepassados que trabalhavam
na Fazenda Campos Novos.
A partir de 1950, com a suposta compra da fazenda Campos Novos pelo "Marquês",
aquelas famílias passam a sofrer a imposição de novas e duríssimas regras
de trabalho e moradia, além do arrendamento das terras que até então ocupavam
livremente.
A insubordinação dos trabalhadores às novas regras e a contratação, pelo
"grileiro", de jagunços para intimidá-los (muitas vezes acompanhados de
policiais que auxiliavam na destruição de casas e roças) dá início ao conflito
que se arrasta até hoje.
Apesar das decisões da Justiça em favor dos posseiros nos anos de 1960,
as ameaças e violências persistiram por toda a década de 1970.
Em 1983 a parte da antiga Fazenda Campos Novos situada em Cabo Frio é desapropriada
para dar lugar a um assentamento do INCRA.
Em 1999, a Fazenda Caveira foi reconhecida como remanescente de quilombo,
mas ainda tem convivido com intensos conflitos com os pretensos proprietários
dos pequenos sítios. Além disso, a extração ilegal de areia tem causado
o empobrecimento do solo e ameaçado a vida dos moradores que dependem da
terra não só para morar mas também para a lavoura. Apesar das inúmeras denúncias
feitas aos órgãos responsáveis a extração não foi interrompida.
A árvore e o mapa
Na Oficina, o grupo da comunidade da Caveira foi formado por cinco pessoas,
dois casais com cerca de 70 anos (Rosa e Joaquim, João e Almerinda) e um
rapaz de cerca de 30 (Célio). Durante os trabalhos, duas pessoas tiveram
um destaque especial. "Dona Rosa da Farinha", uma das lideranças sindicais
de maior destaque em toda a região dos Lagos desde os anos de 1950, e "seu
João", atual presidente da Associação de Moradores. Logo no início dos trabalhos
foi enfatizada pelo grupo, principalmente nas falas de Dona Rosa, sua condição
de trabalhadores rurais, assim como a narrativa das "batalhas" pela reforma
agrária que o grupo enfrentou, em especial aquelas que dona Rosa e seu João
viveram juntos.
Apesar da longa história em comum, a recuperação de uma memória para todo
o grupo representou um momento de grande dificuldade. As divergências de
interpretação em torno das origens da comunidade tomaram quase todo o tempo
do exercício. De um lado, propunha-se que as raízes fossem as cinco famílias
habitantes iniciais da Fazenda da Caveira: Silveira, Santos, Marciano, Souza
e a de Heitor Ivo. De outro, argumentava-se que aquelas duas últimas famílias
não deveriam constar das raízes da comunidade por não terem participado
da formação do sindicato e da luta pela terra, fatos fundamentais na história
do grupo. Apesar dessa discordância, chegou-se ao consenso de que as famílias
da Caveira só passam a se reconhecer como grupo após o início do conflito
com o "Marquês" e da luta pelo território que ocupam. Assim, uma "história
da comunidade" só tem início com a formação do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais.
O evento marcante foi a "Revolta do Cachimbo" contra as novas regras impostas
pelo "grileiro" para o trabalho na roça (controladas por capatazes). Entre
essas estavam as restrições de horário para irem ao banheiro, para beberem
água e a proibição de fumarem enquanto estivessem trabalhando. A insubordinação
planejada entre os trabalhadores, sobre esse último ponto, é o marco de
origem da luta e da própria comunidade.
Durante a apresentação da árvore para as outras comunidades, todos destacaram
as lutas travadas pelo STR e a perseguição sofrida por seus líderes desde
1964 até fins de 1980, quando da morte de Sebastião Lan, importante liderança
sindical. O reconhecimento como comunidade remanescente de quilombos só
foi citado muito rapidamente e depois de lembrado pelos outros participantes
da Oficina.
O exercício de construção do mapa da comunidade, que o grupo considerou
mais objetivo, foi um momento importante para revelar a percepção coesa
do grupo sobre seu espaço e sobre os direitos ligados a ele.
Merecem destaque nesse trabalho as discussões relativas aos recortes criados
no interior da comunidade pela fronteira administrativa que divide os municípios
de Cabo Frio e São Pedro da Aldeia. Apesar de antiga, a separação só passou
a ter conseqüências práticas para eles há pouco tempo.
Ela corta o coração da comunidade, deixando a praça, o campo de futebol
e a associação de moradores de um lado, em São Pedro da Aldeia, e a escola
e o posto de saúde – todos construídos pelo conjunto da comunidade – em
Cabo Frio.
O INCRA assentou apenas as famílias situadas no município de Cabo Frio,
dividindo a luta daquelas famílias. Ao reconhecer apenas a parte de São
Pedro da Aldeia como remanescente de quilombos, a FCP reforçou ainda mais
essa divisão. Hoje a comunidade está repartida em dois STRs e duas Associações
de Moradores.
Apesar disso tudo, o grupo continuou desenhando um mesmo mapa para sua comunidade,
incluindo nele a linha que a divide em dois municípios. Note-se ainda que
o grupo desenhou uma bíblia onde estava localizada a igreja evangélica,
para distingui-la da igreja católica e incluiu o Condomínio que está sendo
construído dentro das suas terras, à revelia dos direitos estabelecidos
pelo artigo 68 das ADCTs. Foi apontado como o ponto negativo atualmente
vivido pela comunidade a falta de uma rede de água.
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“A luta não pára, a luta continua...essa luta é
nossa... o que mais me surpreende é num momento que nós vemos que a maioria
da juventude está voltada para um lado totalmente diferente e eu vejo aqui
muitos jovens interessados e que é de muito futuro, dependendo do nosso
trabalho...”. SEU JOÃO – CAVEIRA
“O sindicato surgiu no dia do confronto que houve entre o Marquês e os trabalhadores
rurais, quando o Marques disse que o Velho não podia fumar, ‘tira o cachimbo
da boca, você não pode fumar’. Então tinha duas crianças que iam pagar renda
porque ele passou não aceitar só o dia da pessoa que era o responsável pela
casa. Todos tinham que trabalhar para ele, era uma escravatura. Voltou a
escravatura. E ele mandou os velhos embora, o Seu Severino, Seu Marcelo
Gaspar e outros. E os meninos que estavam lá disseram, ‘ou os velhos ficavam
lá ou todos nós vamos embora’. Então fomos embora. Mas nós saímos dali para
o escritório. Lá no escritório eles queriam que os trabalhadores assinassem
um papel em branco. Todos que assinaram o papel foram embora, ele botou
para fora depois. E nós de Botafogo e Caveira que não assinamos o papel
e começamos a luta [...] E fizemos uma comissão organizadora, na outra semana
já não era mais uma comissão era uma associação, e com poucos dias formamos
o sindicato. Só que infelizmente o nosso sindicato durou pouco porque veio
logo o golpe de 1964, e que foi destruído o sindicato. A gente já tinha
apanhado, já tinha sido preso, aprendemos a lutar também. Com tanta crueldade,
com tanta maldade. Eles colocavam boi na roça, porco na roça, eles colocavam
uma determinada quantidade de filho de grileiro trazido de Campos, trazido
do norte, trazido do sul, nu, pelado, no meio das crianças para ver se a
gente se revoltava [...] Nós sofremos demais na Fazenda da Caveira e continuamos
sofrendo até hoje porque não foi decidido nada”. DONA ROSA – CAVEIRA
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