Tempo e Presença Digital - Página Principal
 
“AVANÇOS E RECUOS NO CAMPO RELIGIOSO, AQUI E ALHURES…”
Ano 5 - Nº 20
Julho de 2010
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigos
 
A Turma Cabra da Peste: Um relato não linear do Encontro da FTL-B no Rio de Janeiro
Por: Johndalison Tenório da Silva

A Consulta Anual da Fraternidade Teológica Latino-Americana - FTL-Brasil-2010, aconteceu no Rio de Janeiro- RJ, nos dias 3 a 5 de junho, com o tema “De Lausanne a Cape Town: Caminhos, descaminhos e novos desafios para a Missão Integral no Brasil”. Com abertura na quinta-feira as 14:00h e término no sábado às 12:30.

A turma do nordeste fez a diferença na FTL-Brasil. Palestrantes e participantes expuseram suas posições de uma forma honesta e objetiva. Quando digo honesta e objetiva, é pelo fato de ter havido franca e clara defesa das linhas teológicas assumidas nas falas e provocações nordestinas. Esses adjetivos estiveram presentes em assertivas como: “... Nossa luta é contra os poderosos, as potestades, os aliados de satanás e o Joio doméstico”; ou “... É impossível a Missão Integral abrir diálogo com as religiões de matriz africanas.” Outro exemplo, esse mais propositivo: “... Sinto falta da presença de mais teólogas participando das mesas de debates.”; Qualquer que tenham sido as bandeiras levantadas, a turma “Cabra da peste” manifestou coragem de se posicionar diante de uma plenária “educada” (leia-se perplexa) ao presenciar tais declarações dentro da “casa de Deus”, nesse caso, a monumental Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro.

Peço desculpas pelo tom belicoso, e as palavras como: defesa e bandeira. O registro dos trechos acima não foram os únicos acontecimentos da Consulta Nacional e a FTL-Brasil não foi um palco de acaloradas querelas. Cordialidade, receptividade e liberdade de expressão foram marcas presentes no encontro. E esse é um mérito importante da FTL - Brasil, que merece todo o nosso apreço, consideração e incentivo. Em toda a consulta houve um ambiente onde o discurso teológico pôde ser manifesto com liberdade e ousadia, e por isso foi possível acontecer tais provocações. No tocante a ousadia, ela foi mais explorada pelas preletoras da turma “cabra da peste”, Odja Barros, de Alagoas, na mesa de quinta-feira à noite e a Claudia Sales, do Ceará, na sexta-feira à tarde. No espaço chamado “Missão integral na prática”, foram apresentados em data-show os fóruns de debates teológicos fomentados pela Igreja Batista do Pinheiro, Maceió (AL) e a caminhada da “Igreja sem portas e janelas”, da Comunidade Bultrins, Olinda (PE), como expressões do avanço teológico do nordeste, e apresentadas por Wellington Santos e Paulo César, também na quinta-feira à noite.

Sou pouco informado para falar de Nordeste e menos ainda de Brasil, no trato das principais linhas teológicas vigentes dentro da FTL, mas tentando não chover no molhado, ou ser demagógico, “pelego” ou equivocado (não acredito que escrevi pelego!), há ainda muito no que avançar como FTL Nordeste e Brasil. A Missão Integral tem paradigmas que precisam ser quebrados e, alguns deles serão através do reconhecimento e do aprendizado com outros grupos que prosseguiram e frutificaram, como bem disse Odja em sua fala, que no meu entendimento, apontou para a T.L. Ou no diálogo com as religiões de matriz africana, e seus cultos com ênfase na corporeidade, como falou Cláudia. Entretanto, esses verbos “precisam”, “ser” e “quebrados”, estão flexionados no tempo errado, pelo simples fato de não haver uma disposição de começar ou avançar concretamente. Há um receio no ar de que qualquer avanço nessa direção abra "perigosos espaços liberais". E para o público presente ambos os exemplos citados soaram como liberais, a ponto de que somente outro “cabra da peste” manifestou abertamente o constrangimento presente, se posicionando contrário a qualquer diálogo, com tais matrizes religiosas.

E talvez essa palavra LIBERAL seja a desculpa para que alguns dos expoentes e “paispostolos” da Missão Integral no Brasil, não queiram reconhecer que possíveis avanços só se darão não só no diálogo, mas também no estreitamento com esses e outros grupos. Penso assim, porque ao que me parece há muito mais uma preocupação em manter uma “identidade e integridade evangelical” (leia-se hegemonia), por conta de haver um temor que tal contato ou contatos tragam danos seriíssimos a nossa caminhada cristã no Brasil, como o que acontece com a Europa cristã desde o século XX (leia-se discurso fundamentalista). Acredito que em alguns setores da FTL, a palavra LIBERAL é falada como sinônimo de adversário, ou “joio doméstico”, citação de D. Robson Cavalcante. Esse é o distintivo para quem quiser buscar fazer contato com “esses totalmente outros”, e aqui tomo emprestado essa expressão para dar-lhe um sentido menos nobre, o de xenofobia. Karl Barth que me perdoe (fazendo o sinal da cruz). A Missão Integral tem todas as ferramentas e material humano, para se tornar uma das continuidades da caminhada de Jesus, já que os descaminhos do Christus foram percorridos. Para isso acontecer, sugiro que basta ter a percepção de que a Missão Integral não é monolítica ou uma missão monobloco. Missão integral é, acima de tudo, feita de ações que devem estar acontecendo dentro do gradiente de cores, tons, e cheiros que estão presentes nos recortes de nossa cultura brasileira. E assim apresentarmos, não mais um cristianismo no Brasil, e sim um cristianismo brasileiro.

Como foi em Lausanne, no miolo da Europa capitalista, a ousadia de sul-americanos, e entre eles, um brasileiro “cabra da peste”, que proporcionou os olhares para a conjuntura dos cristãos pobres e miseráveis dos países oprimidos e explorados sul-equador (parodiado Paulo Nascimento), foi na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, um dos berços da tradição protestante no Brasil o palco para francas, livres e ousadas imagens sobre um possível aceno a uma caminhada teológica brasileira (que analogia!).

A Direção Nacional do FTL-B está de parabéns pela sua gentileza e cordialidade em receber essa turma “cabra da peste”, pela estadia franqueada na Igreja Presbiteriana de Copacabana, onde fiquei hospedado, e pela complacência de permitir tamanha “zoada” no meio dos formais crentes do sudeste, aos quais têm meus respeitos e amor no Senhor Jesus.

Johndalison Tenório da Silva - Membro da Igreja Batista do Pinheiro e seminarista do Seminário Teológico Batista de Alagoas – SETBAL.