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EM DEFESA DA VIDA
Ano 3 - Nº 7
Março de 2008
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Página de KOINONIA
 
“Gracias a la vida, que me ha dado tanto!”

KOINONIA é parte de um grande movimento de defensoras e defensores da vida. Porque para nós todas as lutas para a promoção de direitos das comunidades camponesas, quilombolas, das pessoas portadoras do vírus HIV/AIDS, bem como toda luta pela superação das intolerâncias, dentre elas a intolerância religiosa contra o Candomblé e pela afirmação do direito à pluralidade das identidades religiosas, todas essas ações são defesa da vida. Partilhamos a fé no Deus da Vida. Essa fé nasce da experiência da interação humana, da con-vivência, da com-paixão, no reconhecimento em cada face, da outra e do outro, da revelação do Totalmente Outro. A promoção e defesa da vida nascem como ações solidárias, testemunhais, proféticas. São fruto da constatação da violação do direito de viver bem, viver com qualidade.

Reconhecemos que o Sistema-Mundo produz um controle capitalista do capital, aprofundando as abissais desigualdades socioeconômicas e culturais, por um lado, e, por outro, favorecendo a reprodução social da ausência do reconhecimento das diferenças. Essa é a estrutura pecaminosa da morte. Hamarthia, pecado, em grego, significa uma ruptura com a vida. Este é o sentido mais fundamental de pecado, impedir que se possa viver bem, que se possa alcançar a vida boa, a felicidade.

Essa busca humana e terrenal, da felicidade planetária, é afirmação do viver bem como atendimento das necessidades humanas, materiais e imateriais. Somos seres de símbolos e, ao criarmos símbolos, manifestamos o desejo de tornar as nossas interações comunicativas capazes de produzir entendimento entre as gentes para superar toda violação à dignidade humana. A afirmação da vida é, sobretudo, fazer com que cada homem e mulher tenham atendidas as suas necessidades e possam produzir conforme suas capacidades. Êpa!, olha a gente formulando sonhos socialistas novamente! É isso mesmo, porque não há promoção e defesa da vida se a gente sustenta o ciclo da desigualdade, o ciclo da violência, o ciclo da morte. Para romper com estes ciclos devemos partir do reconhecimento da outra e do outro, da alteridade, como tal.

Somente reconhecendo a alteridade da Terra afirmaremos a dignitas Terrae. E tal afirmação implica numa atitude exigente, que reivindica um modelo de desenvolvimento sustentável, que assegure o desenvolvimento humano sem a perpetuação de situações ameaçadoras à sobrevivência de toda a Ecosfera. Devemos reconhecer a alteridade dos outros sujeitos como sujeitos de direitos, e identificar os mecanismos de controle social que não invadam todos os espaços de interações livres, como na esfera privada, e que permitam à esfera pública – da economia e da política – não permanecer  absolutamente  submetida  à racionalidade dos  meios dinheiro e poder.

Para KOINONIA a afirmação, promoção e defesa da vida são valores e atitudes inegociáveis, frente às quais intransigimos, na perspectiva da construção coletiva da boa vida, da felicidade. Tal atitude corresponde, por conseguinte, à busca da superação dos sofrimentos e opressões humanas. Discordamos de todas as manifestações culturais, religiosas, políticas que mantenham os seres humanos sob qualquer espécie de jugo. Isso nos faz ter muitas indagações. Aprendemos com a história e com as lutas sociais dos empobrecidos a robustecer a paciência histórica, ainda que, muitas vezes, isso nos agonie e angustie. A necessidade de questionamentos constantes e a paciência histórica nos fazem olhar para os processos de defesa e promoção da vida não como um absoluto zero, sem olhar o conjunto das vítimas – e não apreciamos a lógica das vitimizações – porém, cremos que não se podem superar os sofrimentos sem considerar a situação a partir de quem sofre. Temos aqui alguns marcos da cultura da morte que conferem identidade aos corpos que sofrem. Os corpos assassinados, por armas de fogo, no Brasil são de jovens, sobretudo negros e pobres,  moradores das periferias e dos interiores, que têm, em sua maioria, entre 15-24 anos. Foram 400 mil mortos entre 1997-2006! Porém, são também as mulheres, e as mulheres negras, pobres, as principais vítimas da violência doméstica – ainda que a violência doméstica perpasse todas as classes sociais e todas as etnias. Racismo e Machismo, a violência de raiz étnica e sexual, raízes da cultura da morte.

Esta cultura patriarcal, androcêntrica, gerontocrática,  presente na sociedade brasileira – e no mundo moderno Ocidental-cristão – persiste nas racionalidades institucionais e eclesiais. Muitas vezes isso não nos permite uma visão clara dos debates  e das tensões existentes e nem a percepção dos pressupostos que fazem com que uma determinada leitura da Sagrada Escritura e da Tradição se imponha como a única possível, a única verdadeira. KOINONIA não partilha dessa atitude. A vida não é mercadoria, embora a lógica do Capeta-Capital, como ensinou o Profeta Gentileza, queira assim tratá-la. Muito do que se difunde como ciência genética, quer no campo do trato das sementes, quer no campo do trato dos seres humanos, simplesmente se faz em função dos lucros que irão gerar para grandes corporações transnacionais. Os interesses em função da vida ficam por aqueles outros obnubilados. O mesmo se poderia afirmar sobre a, assim chamada, indústria da morte terminal, que busca a sobrevida de doentes terminais, não pela preocupação com a dignidade daqueles, e sim com a dos lucros farmacêuticos e hospitalares.

Não poderíamos afirmar a defesa e promoção da vida do seu início, desenvolvimento e declínio, sem considerar o sofrimento da mulher angustiada, o sofrimento do ancião em situação de morte. Para KOINONIA essas são situações-limite que exigem respostas existenciais responsáveis, de auto-realização, de afirmação de entrega em liberdade à Graça. Agostinho já ensinava que a Graça supõe à natureza e, com isso, ele nos fazia entender que a ação de Deus não substitui a ação humana. Esta ação humana é fruto de nossa liberdade e, é como seres humanos livres e em processo de libertação, que podemos enfrentar as dores, os sofrimentos e as opressões.

Pode-se compactuar com o uxoricídio ou com o genocídio e, ao mesmo tempo, afirmar-se a promoção e defesa da vida? Poderíamos afirmar a promoção e defesa da vida sem considerar o sofrimento humano, as agonias e angústias como parte da negação da vida? Não podemos fechar os olhos para o mistério da liberdade. Na tradição cristã aprendemos com o Nazareno, Emanuel, Deus Conosco, que não se pode servir a Deus senão em liberdade – liberdade como condição de consciência, como reconhecimento dos limites e das circunstâncias humanas. Estamos condenados à liberdade, e isto nos entremeia à vidas circunstanciadas nas quais construímos nossas opções. Poderia a negação da liberdade humana ser afirmação da  promoção e defesa da vida? KOINONIA, em liberdade e libertariamente, faz eco, luta e convoca a lutar pela promoção e defesa da vida, onde quer que ela esteja ameaçada!