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DESASTRES SÓCIO-AMBIENTAIS E A LUTA PELA JUSTIÇA ECOLÓGICA
Ano 5 - Nº 21
Outubro de 2010
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Página de KOINONIA
 
O imperativo ético e ecumênico da justiça socioambiental

O ecumenismo é esta prática espiritual de fazer com que a nossa casa comum seja habitável para todas e todos. É por isso que a experiência ecumênica inclui a superação de todas as intolerâncias, também a da intolerância religiosa, e um cuidado efetivo com o meio ambiente. Efetivamente as comunidades religiosas, em sua ambivalência, contribuem para o fortalecimento de práticas destruidoras, bem como com práticas que permitem uma harmoniosa convivência da comunidade humana com todas as outras espécies vivas e todo o constituinte do universo.
As especulações sobre a origem dos totens, na Ilha de Páscoa, levam a considerações de vários arqueólogos sobre a devastação da floresta tropical da ilha, com vista ao transporte dos gigantes de pedra para a sua atual localização. O mesmo pode-se pensar de Stonhedge, na Inglaterra, das pirâmides do Egito, e outras experiências religiosas. Assim como o fortalecimento para esta atividade destruidora de considerações sobre ocupar o ser humano o lugar da coroa da criação, trazido pela perspectiva judaico-cristã. Todo o empenho dominador e alienante desenvolvido pelos seres humanos, e seu espírito ecocida tem um fundamento religioso que pode ser observado em nossos comportamentos e mentalidades.
Não é possível, a uma perspectiva ecumênica e ética, abordar a justiça socioambiental sem antes fazer um reconhecimento da própria responsabilidade que têm os discursos religiosos nesta promoção do ecocídio. O outro lado da moeda, porém, também precisa ser observado. Há um conjunto de práticas religiosas que promovem a convivência entre os seres humanos e o meio ambiente, numa comum expectativa em ter uma vida libertada e promotora da liberdade. Práticas de valorização do meio ambiente, dos seres vivos, de uma concepção que afirma que toda a terra geme como em dores de parto, por novos céus e nova terra.
Uma natureza renovada, uma natureza que inclui os seres humanos. É verdade que uma história da Terra nos mostra quão insignificantes somos, os animais humanos, para a existência do Planeta. Também nos indica que muitos dos fenômenos que hoje tememos, como glaciações, terremotos e extinções de espécies de seres vivos, já se deram sobejamente neste pequeno astro que flutua no Universo, ao redor do Sol. Há, porém, uma tomada de consciência que modifica essas considerações iniciais. A partir da década de 1970 as observações sobre as alterações no meio ambiente passaram a ser mais notadas pela comunidade científica. O efeito mais percebido era a poluição do meio ambiente, do ar, da água, de todas as fontes de vida. Percebia-se o vínculo entre esta situação e a economia do consumo de carbono.
O Clube de Roma lançou um dos primeiros alertas. Toda a comunidade internacional iniciou a reflexão sobre as causas desses fenômenos e a cogitar sobre os comportamentos necessários para alterar o estado de coisas que se constituía. A comunidade ecumênica, reunida a partir do Conselho Mundial de Igrejas, também assumiu essa necessidade e possibilidade. Por isso criou o programa em favor da justiça, paz e integridade da criação. Este programa observava o profundo vínculo entre a promoção, defesa e garantia dos Direitos Humanos com a promoção de Práticas Sociais que preservassem o meio ambiente, não o agredissem, e não o tornasse hostil à vida. Ecologia e Direitos Humanos eram dois lados de uma mesma moeda. A Conferência de Cúpula sobre o Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, em 1992, mostrava um primeiro – e tímido – passo das autoridades mundiais na direção de tomar uma atitude coletiva em defesa da vida, pela segurança ambiental. Entretanto, os acordos foram muito precários.
Na mesma época, tanto o CMI quanto a sociedade civil internacional, realizaram eventos paralelos, para afirmar que nem as lideranças religiosas, nem os movimentos sociais no mundo podem deixar de cooperar para a mudança dos comportamentos e mentalidades ecocidas. A Carta da Terra traz afirmações de como podemos cooperar para ações em favor da justiça ambiental. As denúncias que vem sendo reiteradamente feitas pelo Painel Internacional das Mudanças Climáticas, no entanto, indicam como temos sido, como comunidade internacional, negligentes em promover ações que interrompam ou alterem os comportamentos e mentalidades ecocidas que a economia do carbono tem desenvolvido. Para quem aceita que seu compromisso e práticas religiosas nos inserem num círculo promotor da vida e de defesa dos direitos é impossível não se deixar questionar por esta situação.
Nós, que vivemos no Brasil, temos observado um crescente conjunto de fenômenos vinculados à mudança climática. Enchentes em todas as regiões do País, secas prolongadas no Centro-Oeste e no Norte (estas últimas muito improváveis), e o avanço insano de tecnologias “limpas” para a geração de energia, sem o menor cuidado com os impactos socioambientais gravíssimos que geram... A diminuição do desmatamento, tímida que assistimos, está vinculada ao avanço dos cinturões da soja – e a impossibilidade da “soja justa” está mais que constatada. O avanço das tecnologias do agrocombustível, sem nenhuma contrapartida às garantias sociais para os trabalhadores daquele cultivo, e sem nenhuma mensuração séria dos impactos destrutivos ao meio ambiente das tecnologias produtivas deste tipo de combustível. Tudo isso associado a um descompromisso coletivo com o cuidado dos resíduos sólidos, com o planejamento da ocupação urbana, e com a criação de políticas públicas e sociais que tenham um viés socioambiental claramente definido. A família ecumênica no Brasil se vê desafiada por todos esses fenômenos que estão à base do desastre socioambiental nosso de cada dia. Não haverá família ecumênica se nosso oikos não estiver defendido.
Diante do desafio da injustiça socioambiental temos que estar sempre abertos à nossa capacidade generosa. A família ecumênica pode ser parte do problema ou da solução. Não apenas como indivíduos, senão como instituições e movimentos eclesiais e sociais, temos uma responsabilidade coletiva com a construção do presente. O que temos atualmente é a impostergável necessidade de usarmos toda a nossa capacidade de interação comunicativa para alterar comportamentos e mentalidades. Se é verdade que não haverá paz na terra se inexistir paz entre as religiões, também é verdade que não haverá justiça ambiental se as religiões não se colocarem a serviço da superação dos comportamentos e mentalidades ecocidas. A questão que se impõe é sobre nossa decisão: continuaremos a ser parte do problema ou viremos a ser parte da solução?