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A comunidade de Campinho da Independência fica localizada
na zona litorânea ao Sul do Estado do Rio de Janeiro, no município de
Paraty. Sua área total é de 287 hectares, ocupados por pouco mais de 80
famílias negras, divididas em diversos sítios familiares usados como área
de moradia e de trabalho. Todos que moram em Campinho da Independência,
conhecido na região como um "bairro de pretos", são descendentes das irmãs
Antonica, Marcelina e Luíza, consideradas por todos as fundadoras da comunidade.
Até a década de 70 não havia disputa pelas terras da comunidade de Campinho.
Os habitantes cultivavam principalmente a mandioca, fabricavam farinha
e produziam artesanato como meio de sobrevivência. Mas, depois da construção
da rodovia Rio–Santos, em 1973, a vida da população muda drasticamente.
Diante da repentina valorização de suas terras e da ameaça de grileiros,
os moradores de Campinho reagem e se organizam, fundando uma Associação
de Moradores, pedindo ajuda à Igreja Católica (por meio da Comissão Pastoral
da Terra) e associando-se ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Paraty.
Assim, em 1975, eles vão à Justiça em busca de seus direitos, por meio
do pedido de usucapião de suas terras. As terras chegaram a ser desapropriadas
pelo governo do estado, mas nunca foram entregues à comunidade.
Passados quase trinta anos de luta, a comunidade de Campinho finalmente
teve a propriedade de suas terras reconhecida no dia 21 de março de 1999.
Foi a primeira titulação de terras do estado baseada no artigo 68 da Constituição
Federal (ADCT).
A árvore e o mapa
Campinho compareceu à Oficina com um grupo composto por dois homens e
duas mulheres, predominantemente jovens lideranças (Vaguinho, Sílvio,
Sirlene – entre 20 e 25 anos – e Dilma – 45 anos). A construção da árvore
não teve maiores problemas para eles. Primeiro, porque um deles (o Sílvio)
é o artista plástico que tem sido responsável pela produção de faixas,
camisetas e pela identidade visual da Associação de Moradores. Segundo,
porque o grupo veio preparado com uma pasta cheia de material histórico,
documentos e recortes de jornais que compõe um verdadeiro quebra-cabeça
da história da comunidade. A "árvore da história" do Campinho estava sendo
contada por pessoas que, como eles mesmo ressaltavam, já estavam colhendo
os frutos da luta pela terra. Daí, a memória apresentada ter um formato
bastante estável e sem conflitos, com uma organização muito próxima da
história escrita, sem as eventuais controvérsias provocadas pelo confronto
de experiências daqueles que viveram os fatos pessoalmente.
A árvore de Campinho foi organizada segundo três marcos fundamentais.
O primeiro, a decadência do café, que resultou no abandono das terras
pelos proprietários e na sua doação às três irmãs ex-escravas. Depois,
a valorização das terras com a construção da rodovia Rio–Santos, que levou
aos conflitos decorrentes da especulação imobiliária. E, finalmente, o
reconhecimento da comunidade como remanescentes de quilombos, que significou
a definitiva conquista da terra e o início da preocupação com a cultura
e conscientização racial do grupo.
A construção do mapa de Campinho, ao contrário da sua árvore, por não
ter um roteiro previamente estabelecido, foi o momento de uma maior criatividade.
Os participantes partiram de suas percepções pessoais para estabelecer
detalhadamente os marcos de seu território, dividindo o mapa entre os
núcleos familiares (Santos, Besto, Cândido, Amâncio, Nascimento, Martins,
Conceição e Remédios) e ressaltando a importância do campo de futebol
para a comunidade, lugar de convívio coletivo dos moradores. Em contraposição
a isso, descreveram como a Igreja Assembléia de Deus tem construído uma
nova mentalidade no interior do grupo, com a "satanização" do futebol
e de outras manifestações lúdicas. Chamavam a atenção para carências,
como a falta de médicos e incentivos à cultura, etc.
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“Essa luta que a gente teve, igual a vocês
eu era criança quando eles estavam na luta e conseguimos. Nós conseguimos
esse título da gente. E estamos aqui para ajudar a vocês no que vocês
precisarem e onde tiver reunião, qualquer coisa para ajudar vocês a
gente está junto”. DILMA – CAMPINHO
“Eu acho que é um problema muito sério a questão dos remanescentes do
país. Temos hoje a terra garantida, temos a luta da comunidade sim,
que começou há vários anos, mas temos muitas dificuldades. E precisamos
unir cada vez mais as comunidades. Se a gente não se unir, vai ser difícil
a luta. A luta tem que ser mais aprofundada, mais conjunta, mais próxima,
pra gente ter mais força pra lutar junto. Uma comunidade quilombola
lá distante, outra distante, sem o mínimo de comunicação... A gente
precisa desse engajamento mais próximo[...] Estamos hoje aí nessa luta,
estamos em um processo de conscientização dos jovens porque a gente
tem o maior orgulho de falar que somos quilombolas e isso está falando
de auto-estima, de realidade, de assumir a negritude [...] A gente tem
trabalhado muito a questão de realidade cultural, porque ser negro não
é só bater no peito e dizer que é quilombola, tem que saber de sua história,
suas raízes, a sua identidade”. WAGNER – CAMPINHO
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