ano 1    n° 3    maio/junho de 2001
 

A comunidade de Campinho da Independência fica localizada na zona litorânea ao Sul do Estado do Rio de Janeiro, no município de Paraty. Sua área total é de 287 hectares, ocupados por pouco mais de 80 famílias negras, divididas em diversos sítios familiares usados como área de moradia e de trabalho. Todos que moram em Campinho da Independência, conhecido na região como um "bairro de pretos", são descendentes das irmãs Antonica, Marcelina e Luíza, consideradas por todos as fundadoras da comunidade.
Até a década de 70 não havia disputa pelas terras da comunidade de Campinho. Os habitantes cultivavam principalmente a mandioca, fabricavam farinha e produziam artesanato como meio de sobrevivência. Mas, depois da construção da rodovia Rio–Santos, em 1973, a vida da população muda drasticamente. Diante da repentina valorização de suas terras e da ameaça de grileiros, os moradores de Campinho reagem e se organizam, fundando uma Associação de Moradores, pedindo ajuda à Igreja Católica (por meio da Comissão Pastoral da Terra) e associando-se ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Paraty. Assim, em 1975, eles vão à Justiça em busca de seus direitos, por meio do pedido de usucapião de suas terras. As terras chegaram a ser desapropriadas pelo governo do estado, mas nunca foram entregues à comunidade.
Passados quase trinta anos de luta, a comunidade de Campinho finalmente teve a propriedade de suas terras reconhecida no dia 21 de março de 1999. Foi a primeira titulação de terras do estado baseada no artigo 68 da Constituição Federal (ADCT).

A árvore e o mapa
Campinho compareceu à Oficina com um grupo composto por dois homens e duas mulheres, predominantemente jovens lideranças (Vaguinho, Sílvio, Sirlene – entre 20 e 25 anos – e Dilma – 45 anos). A construção da árvore não teve maiores problemas para eles. Primeiro, porque um deles (o Sílvio) é o artista plástico que tem sido responsável pela produção de faixas, camisetas e pela identidade visual da Associação de Moradores. Segundo, porque o grupo veio preparado com uma pasta cheia de material histórico, documentos e recortes de jornais que compõe um verdadeiro quebra-cabeça da história da comunidade. A "árvore da história" do Campinho estava sendo contada por pessoas que, como eles mesmo ressaltavam, já estavam colhendo os frutos da luta pela terra. Daí, a memória apresentada ter um formato bastante estável e sem conflitos, com uma organização muito próxima da história escrita, sem as eventuais controvérsias provocadas pelo confronto de experiências daqueles que viveram os fatos pessoalmente.
A árvore de Campinho foi organizada segundo três marcos fundamentais. O primeiro, a decadência do café, que resultou no abandono das terras pelos proprietários e na sua doação às três irmãs ex-escravas. Depois, a valorização das terras com a construção da rodovia Rio–Santos, que levou aos conflitos decorrentes da especulação imobiliária. E, finalmente, o reconhecimento da comunidade como remanescentes de quilombos, que significou a definitiva conquista da terra e o início da preocupação com a cultura e conscientização racial do grupo.
A construção do mapa de Campinho, ao contrário da sua árvore, por não ter um roteiro previamente estabelecido, foi o momento de uma maior criatividade. Os participantes partiram de suas percepções pessoais para estabelecer detalhadamente os marcos de seu território, dividindo o mapa entre os núcleos familiares (Santos, Besto, Cândido, Amâncio, Nascimento, Martins, Conceição e Remédios) e ressaltando a importância do campo de futebol para a comunidade, lugar de convívio coletivo dos moradores. Em contraposição a isso, descreveram como a Igreja Assembléia de Deus tem construído uma nova mentalidade no interior do grupo, com a "satanização" do futebol e de outras manifestações lúdicas. Chamavam a atenção para carências, como a falta de médicos e incentivos à cultura, etc.


 


“Essa luta que a gente teve, igual a vocês eu era criança quando eles estavam na luta e conseguimos. Nós conseguimos esse título da gente. E estamos aqui para ajudar a vocês no que vocês precisarem e onde tiver reunião, qualquer coisa para ajudar vocês a gente está junto”. DILMA – CAMPINHO


“Eu acho que é um problema muito sério a questão dos remanescentes do país. Temos hoje a terra garantida, temos a luta da comunidade sim, que começou há vários anos, mas temos muitas dificuldades. E precisamos unir cada vez mais as comunidades. Se a gente não se unir, vai ser difícil a luta. A luta tem que ser mais aprofundada, mais conjunta, mais próxima, pra gente ter mais força pra lutar junto. Uma comunidade quilombola lá distante, outra distante, sem o mínimo de comunicação... A gente precisa desse engajamento mais próximo[...] Estamos hoje aí nessa luta, estamos em um processo de conscientização dos jovens porque a gente tem o maior orgulho de falar que somos quilombolas e isso está falando de auto-estima, de realidade, de assumir a negritude [...] A gente tem trabalhado muito a questão de realidade cultural, porque ser negro não é só bater no peito e dizer que é quilombola, tem que saber de sua história, suas raízes, a sua identidade”. WAGNER – CAMPINHO




 

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