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Os Assentados de Novo Horizonte são ex-trabalhadores
da Usina Horizonte e estão situados entre a Lagoa Feia e a Serra do Imbé,
ambos no distrito de Morangaba – Campos dos Goytacazes. A Região do Imbé
foi marcada pela presença de inúmeros quilombos, principalmente a partir
de fins do século XVIII e início do século XIX, com o desenvolvimento
da produção açucareira e do número de escravos nos engenhos.
Atualmente a Região é povoada por famílias negras que lutaram por seus
direitos e hoje estão livres da exploração dos usineiros da região. Os
moradores do local se referem ao processo de reforma agrária como "conquista
da liberdade". No caso dos Assentados de Novo Horizonte, tudo começou
quando as atividades da usina foram interrompidas, em 1984, deixando os
trabalhadores sem os seus salários desde 1982. No ano de 1985, a usina
teve a falência declarada, e em 1987, a maior parte da área agrícola da
massa falida foi apropriada pelo Estado. Após articulação dos trabalhadores,
foi feito um acordo em que as indenizações trabalhistas seriam feitas
em lotes de terra e, finalmente, em 4 de agosto de 1987, lhes foi dada
a emissão de posse.
Na região do Imbé foram assentadas 132 famílias, distribuídas por quatro
assentamentos: Batatal (15 famílias), Cambucá (27), Aleluia (28), Conceição
(62), que são representadas por duas Associações de Pequenos Produtores.
A árvore e o mapa
Participaram da Oficina quatro representantes das duas associações do
Imbé, com idades entre 40 e 60 anos (Paulo, Vigante e Elza, e Berenice).
Paulo é presidente tanto da Associação Cambucá e Batatal quanto do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Campos. Embora nem todos tenham nascido na
região, todos participaram dos processos de desapropriação das fazendas
e formação dos assentamentos na região.
O processo de elaboração da "árvore da história" do Assentamento refletiu
a experiência sindical do grupo, em função da qual estão acostumados a
dar depoimentos para políticos, jornalistas e pesquisadores. Apesar da
dificuldade em determinar as datas precisas dos eventos, os marcos temporais
da árvore foram divididos em dois grandes troncos, tendo em conta, de
um lado, as estratégias de luta dos proprietários e poderes locais e,
de outro, as do Sindicato. Isso explica tanto a facilidade de construir
uma detalhada "árvore da memória", quanto a dificuldade de recuperar uma
memória mais antiga, que surge fragmentada, repleta de lacunas e, mesmo
assim, não ultrapassa a década de 1950.
Essa narrativa tem início em 1960, quando José Pureza da Silva participa
da ocupação do Mocotó (fazenda vizinha) e, durante a repressão, Chico
Noel o esconde em sua casa, no Imbé. Em represália, vários trabalhadores
são espancados.Na década de 1970 a Usina entra em crise e os trabalhadores
passam a sofrer com a falta de alimentos, remédios e roupas. O medo da
repressão já experimentada os mantém desorganizados.
Em 1976 inicia-se a violência dos proprietários para forçar a saída dos
trabalhadores. Estes rompem com o Sindicato da Indústria, a que eram filiados
e que era dominado pelos patrões, e filiam-se ao Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. Eles fazem questão de enfatizar que, em 1980, o radialista e vereador
Anthony Garotinho lhes dá grande apoio pelo rádio, divulgando o problema,
contra as pressões da UDR e da Igreja.
Aliados aos operários fornecedores de cana, eles ocupam a usina e desligam
máquinas, sob a repressão da polícia. Os fazendeiros arrendam as terras
para uma massa falida, mas em 1986, há a rescisão do contrato.
Em 1987 as terras da Usina são desapropriadas e em 1989 eles fundam a
Associação de Produtores Rurais (APROAM), mas suas terras continuavam
ocupadas pelo gado de 22 fazendeiros. A televisão vai ao local e filma
os bois comendo plantações e a justiça intercede em favor dos trabalhadores.
Finalmente, na década de 1990 eles passam a receber o apoio dos órgãos
públicos, conseguem rede de energia, escola, linha de ônibus e a criação
de uma Feira no centro da cidade para venderem sua produção.
Na elaboração do mapa os moradores usaram o mesmo recorte criado pela
mobilização da "luta", localizando apenas as glebas da Região do Imbé
e deixando de fora as do Rio Preto. Incluíram no mapa a Usina e todos
os prédios públicos: escola, posto de saúde, igreja. Destaca-se a localização
dos rios e a serra (área de reserva ambiental) sem a preocupação de localizar
suas casas. Com relação aos "desejos" dos moradores, cada um focalizou
as necessidades de sua gleba.
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“Então eu me lembro quando foi recebido um convite,
na época era o Benedito que era o presidente. Que recebi um convite na
‘ferinha da roça’, que era pra mim vim na Federação ali em Niterói pra
um encontro. Aí eu disse: ‘Não, eu num quero ir, você coloca a companheira
Lúcia...’ Aí ele disse: ‘Não Berenice, eu tô convidando você, não a Lúcia’[...]
eu preferi que ela fosse porque não sei de nada , não entendo nada, não
sei de nada, não tenho leitura, o pouquinho que eu sei hoje é ler a Bíblia...
então eu preferi que ela viesse, mas ele teimou comigo: ‘Não Berenice,
eu quero que vá neste encontro, eu faço questão que você vai’ [...] Esta
foi a primeira caminhada minha. Saber, conhecer as pessoas, conheci muita
gente que eu nem sabia da onde era e passei a saber de onde é. Então é
aí que a pessoa caminha [...] nós temos que ser unidos para vencer a luta,
para vencer a guerra. Porque pra conseguir aquela terra, aquele pedaço
de chão nós, primeiro comemos o fel todo, pra depois comer um pedacinho
do mel. Ontem nós chegamos naquele lugar ali, Quissamã, e a companheira
batia na porta e um dizia ‘Ah, eu não tô preparado’ e o outro: ‘Ah, eu
também não tô’, aí eu fiquei matutando a vida deles. Antes eu era assim
também, tinha a maior vergonha de sair da minha casa para ir alguma reunião.
Hoje, se eu for numa reunião, eu tô no meu direito, se eu não falar nada,
não saio de lá satisfeita. Eu era tão envergonhada, eu andava de cabeça
baixa, eu era muito carrancuda, eu não olhava pra rosto de ninguém. Mas
depois que eu passei a conhecer a reforma agrária, passei a bater na porta
dos nossos direitos, eu aprendi a olhar no olho”. BERENICE – NOVO HORIZONTE
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