ano 1    n° 3    maio/junho de 2001
 

Na área rural de Cabo Frio, em um bairro chamado Angelim, ficam localizadas as Terras de Preto Forro. Seus moradores, distribuídos por 10 casas, somam aproximadamente 60 pessoas descendentes de antigos escravos que trabalhavam em duas fazendas vizinhas. Contam que o nome Preto Forro foi dado àquelas terras para marcar a diferença de outras terras ocupadas por trabalhadores em regime de escravidão.
Há três gerações a responsabilidade com as terras Preto Forro tem permanecido entre os homens descendentes diretos do primeiro dono e fundador da comunidade. Uma delas era o pagamento dos impostos que era divido entre todos os moradores. No final da década de 1980, o responsável arrendou parte das terras da comunidade para que um fazendeiro vizinho as usasse como pasto, sob o argumento de que assim, o grupo teria como pagar os impostos sobre a terra. Em pouco tempo, porém, o constante endividamento pessoal desse responsável junto ao fazendeiro, levou a que ele lhe transferisse o direito de posse das terras como forma de pagamento, apesar de não ter direito a isso.
A partir daí o fazendeiro tem forçado o deslocamento daquelas famílias de diferentes formas que evitam a violência direta. Suas plantações têm sido destruídas pelo gado, eles estão sendo proibidos de ampliar seus quintais ou construir casas para seus filhos, e a mata original, de onde eles extraíam de forma equilibrada a madeira para a produção de carvão em pequena escala, já foi praticamente toda destruída para a ampliação do pasto. Das poucas árvores frutíferas que restaram, o fazendeiro já não permite que os moradores retirem os frutos.
A comunidade, apesar de ter um dos times de futebol mais bem equipados e organizados da Região dos Lagos, não tem uma Associação de Moradores própria, nem seus componentes são sindicalizados. O consenso local sobre a legitimidade de suas posses não tinha criado a necessidade de uma maior organização, até agora.

A árvore e o mapa
Da comunidade de Preto Forro participou da Oficina apenas uma pessoa, Ademir (33 anos). Como estava sozinho, durante a produção da "árvore da história" ele foi absorvido pelo grupo da Caveira, por se supor uma convergência entre suas histórias mais remotas. Mas tanto as discussões que prevaleceram naquele grupo, quanto os limites temporais da história que Ademir está habilitado a reconstituir frustraram essa expectativa. No momento da apresentação da árvore, quando foi convidado para contar a história da sua comunidade, ele concentrou-se justamente nos acontecimentos da última década, a partir de quando a posse pacífica das Terras de Preto Forro foi posta em perigo.
Uma maior participação ficou por conta da construção de seu mapa, quando pudemos recuperar mais detalhadamente as dimensões daquelas terras e o impacto da entrada do fazendeiro, tanto na destruição das reservas de mata nativa, quanto nos efeitos da presença do gado. As famílias locais passaram a cercar suas posses familiares, quando antes o que existia era uma única terra de uso comum que era ocupada de acordo com as necessidades e capacidades familiares a cada novo ano.


 


“Meu objetivo é sair daqui com alguma notícia, alguma coisa para passar pro pessoal lá, o que aconteceu o que não aconteceu, por que eles não puderam vir. Fico muito feliz de estar aqui com vocês, porque aqui a gente esta aprendendo... e fica passando e vem mais gente aqui para conhecer... e isto que é mais importante para todo mundo”. ADEMIR – PRETO FORRO


“A gente é herdeiro da terra e tinha um primo da gente, ele tinha uma parte que ele morava. Antes o pessoal pagava (imposto), aí ele chegou e falou que o pessoal não precisava mais pagar porque ele tinha alugado o pasto para um cara e o dinheiro que ele pegava, pagava. Daí passaram uns tempos e o cara apareceu dizendo que ele era dono da terra, dizendo que ‘eu comprei e vocês não podem fazer mais nada aí’. Mas como não pode fazer se é da gente, por que a gente não pode fazer? Aí o pessoal lá, os primos, o pessoal entraram e fizeram no peito. Um troço que é da gente não vai fazer porque o cara proibiu? Tem que entrar e fazer. A gente tem que meter bronca para frente, entrar e fazer mesmo. Ele está com o gado dele lá. Estamos correndo atrás desse objetivo”. ADEMIR – PRETO FORRO




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